20.2.20

Off the record


This Mortal Coil, “Sixteen Days/Gathering Dust”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZxcYLj7R_9Y
Seriam dezasseis dias. Parecia mais. A parede de silêncio caiu sobre o tempo, tornando-se espesso e viscoso, insuportável. Não podia transigir nos segredos que foram contados. 
Off the record, é off the record, não te esqueças.
Foi a advertência que ouvi como fatura por ter sido nomeado fiel depositário de segredos que não eram meus. Estava equivocado: aqueles segredos passaram a ser meus quando me foram endossados.
- Tinha preferido a imersão no desconhecimento.
Revelei este estado de alma a uma terceira pessoa, sem segredar os segredos que me haviam sido confiados – apenas segredei que alguém (sem identificar) me nomeara fiel depositário de alguns segredos. A terceira pessoa insurgiu-se: 
- Não sejas egoísta! Tens de honrar a confiança. Se essa pessoa contou segredos, não podes alfandegar o arrependimento por teres travado conhecimento do seu teor. É das maiores provas de confiança! Um esteio da amizade. E um reconhecimento. O reconhecimento de que tens a linhagem de alguém que pode partilhar um segredo. Não sejas egoísta!
A angústia emergira do teor dos segredos. Eram excruciantes. Alguns deles, reveladores de uma inesperada maldade. Sentia-se como se tivesse sido indigitado para partilhar as angústias do tutor dos segredos. Como se esta comunhão aplacasse as suas dores interiores, em parte transferidas para o fiel depositário dos segredos. As amizades deviam ser preservadas destas tarefas ingratas. Disse:
- Sabes que há o contraste exato de um egoísmo, que é o outro egoísmo. Não parece que o ato da pessoa que me revelou segredos seja um desinteressado suar de segredos que o deixam sem ar. Se me dizes que fui merecedor de confiança, digo-te que dispensava esse ato. Não posso ignorar o que me foi contado. Tira-me o sono. Que amizade pode tolerar a exportação das dores de outrem? A amizade exige este compromisso? 
Não houve resposta a estas interrogações. A terceira pessoa percebeu que eram perguntas de retórica. Revia-se no interlocutor. Talvez sentisse a mesma angústia se tivesse sido escolhida para ser fiel depositária dos segredos de um amigo qualquer, se esses segredos desnudassem uma faceta repreensível. Percebi pelo seu silêncio. O meu silêncio durava há dezasseis dias. O tempo inteiro que guardei, sozinho, uma revelação de alguém que, através dela, se mostrava obnóxio e soez. Uma revelação que me tirava o sono – não parava de o usar como mnemónica interior. 
       Não contei o segredo. A confiança que o tutor dos segredos merecia impedia-me de o fazer. Mas tinha de dizer a alguém que alguém me contara, off the record, coisas que fariam tumultuar a consciência do homem comum. For the record.

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