As tábuas que atapetam o chão não param de estremecer. Parece que falam com quem as pisa. No leilão das metáforas, compensa a ousadia. As mãos metem-se no fiorde e trazem a água friíssima para temperar a combustão dos sentidos. O resto, são os dados atirados ao acaso. Nada é o tudo que podemos contra uma quimera sem nomes.
Anoitece. Os olhos perderam a lucidez. Emaranhados na escuridão, vultos pressentidos assumem a posse das paredes. Apenas murmuram. Mal se ouvem as vozes. As palavras são como ditongos parcelares que obstruem a inteligibilidade do texto. Lá fora o inverno apregoa-se, tempestuoso. As árvores dobradas pelo vento feérico parece que querem entrar em casa. As ruas estão desertas. As pessoas têm medo da tempestade. Têm medo de tempestades. Das atmosféricas e das que raptam a alma.
Se ao menos alguém ouvisse o medo, como estala na boca e se consome em saliva seca. Mas ninguém está em lado nenhum para inventariar o medo. Cada um fica entregue ao seu paradeiro, sem saber em que apeadeiro o medo vai sair para destroçar a paz de alguém. É o medo que fala mais alto, como se fosse o preço a pagar por um módico de civilização. Tudo seria irrepresentável se o chão de onde somos fosse o palco de um langoroso mar. É o simples olhar que desmente a ambição.
As pessoas não se tornam insubmissas quando o medo sussurra na enseada da pele. Têm medo do medo. Têm medo de ter medo. Não são feitas de uma têmpera à prova de contratempos. Por dentro do seu nanismo, desaprovam as ruturas que convocam o alvoroço. É como se fossem deixadas sozinhas no promontório, debatendo-se contra a noite tempestuosa. Nem todas se saldam pela manhã seguinte. O colorido manancial da manhã alberga-se no sortilégio de uns quantos, apenas.
Em vez do medo, as pessoas exilam-se por dentro, fingem que são um outro. Acreditam que o lastro do fingimento é o receituário para escorraçar o medo. Estão erradas. O medo não é indigente. Não se deixa atraiçoar por ardis, por meticulosos que sejam. O exílio interior exacerba as mandíbulas do medo, que morde com força aumentada. Em vez do fingimento que não silencia o medo, devia-se habitar um lugar inabitável pelo medo. Esta é a mnemónica que serve de morada ao museu dos sentidos, em constante mutação. Ou fugir do medo, para que ele não fuja de nós e deixe de nos conferir autoria.
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