17.2.21

Heróis da terra (short stories #300)

Dead Can Dance, “The Carnival Is Over”, in https://www.youtube.com/watch?v=mPDLJ1UU2Uk&pbjreload=101

          Uma compilação de madraços, apascentando o dia seguinte, que vem sempre depois de um dia adiado. Não é o arrastar dos pés que comina as almas. Aos seus pés, uma aguarela garrida distrai o olhar das outras mundividências. Dizem que há muitos mundos lá fora por apresentar, e nem assim se intimidam com a estreiteza dos corredores. Que não sejam abjurados. A renúncia ao conhecimento não é uma afeção. Quem quer o que lhe apraz não é merecedor de juízo azedo assinado no colo dos outros. Os heróis do mar foram gente demente que tomou conta do mar antes que o mar tomasse conta deles. Um punhado trouxe histórias para contar e o contumaz domínio de outras civilidades. Os heróis da terra comprazem-se com muito menos. Um entardecer no estio, enquanto os corpos descansam de um dia extenuante em que nada foi o que fizeram. Os braços transidos pela dormência não aceitam demandas que os habilitem ao desentorpecimento. Quem, afinal, nunca foi acometido pela hipocinesia? E deixa de ser herói (se for ajuizado que de heróis estamos carentes, o que não é certo) por ser agente voluntário da preguiça? Os heróis da terra, imersos na ociosidade, não correm o risco dos heróis do mar: não é o mar, o paradoxal étimo que reúne o belo e o traiçoeiro, que os retira da vida. Enquanto heróis da terra, firmam tanto os pés na terra que os recebe que se confundem com ela, como se eles fossem as raízes que se solevam da terra. Quem os pode condenar? Até porque se perfila segunda vantagem sobre os heróis do mar: serem extraídos ao estatuto do anonimato é risco que não correm. E, ao contrário dos azafamados, não dizem que trazem em falta tempo para o que dizem não ter tempo.

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