As estradas não têm fim. Mesmo quando parece que acabam num ermo, ou são interrompidas por um abismo, ou por um acidente da natureza (o mar, um rio, um lago), as estradas não têm fim. Umas são ramais de outras, que estão mais alto na hierarquia. Outras prosseguem depois de sulcado o acidente da natureza. E mesmo as estradas que desaguam num ermo ou num abismo têm continuidade: não se esperando que o viandante fique no ermo ou no abismo, terá de procurar uma estrada que o tire do impasse.
O emaranhado de estradas multiplica as possibilidades. Tudo o que aumente as possibilidades devia ser entronizado como património imaterial da humanidade. É como abrir a palma da mão e dedilhar as linhas em que a mão se debate, num mais do que decálogo sobre a identidade. As estradas que se emaranham em mapas meticulosos tiram-nos da anemia de quem fica refém de um sedentário modo de estar.
Quando era mais novo, quando os mapas eram em papel, os dedos, ajudando os olhos, percorriam-nos com critério. Os mapas ensinavam os lugares diferentes e como a eles chegar. Havia os mapas gerais, só com as vias principais. E havia os mapas regionais, que faziam uma autópsia da rede viária que trazia ao conhecimento até as estradas que ainda não tinham o privilégio do asfalto. Os mapas em minúcia eram preciosos. Serviam para atalhos, se a estrada principal estava impedida por um bloqueio da polícia. Serviam para conhecer lugares idílicos que ficam fora do perímetro das grandes vias.
Hoje, os mapas não são em papel. Hoje, não é preciso pegar na régua e esquadro e costurar as bainhas que unem dois lugares distantes. Hoje, os mapas estão nos telemóveis e nos computadores. Os processadores fazem o trabalho por nós. Escolhem a rota entre dois lugares com uma rapidez imbatível. Se protestarmos por estes mapas esconderem os detalhes, é só ampliá-los para reter a minúcia procurada. E, hoje, as distâncias estão mais curtas sem ser culpa de qualquer mapa: as analgésicas autoestradas são um substituto do tempo que se subtrai a si próprio.
O que os mapas não acodem é a sede de partir sem destino. Partir, apenas, andarilhando os quilómetros acumulados no passaporte do viandante. Partir sem saber onde se vai dormir no fim do primeiro dia de viagem. Acordar, no dia depois, sem saber que estrada tomar e em que sítio pernoitar. E assim sucessivamente. Até decidir que é altura de inverter a rota e tomar caminho de regresso a casa. Pode ser em Rovaniemi ou em Antalya, em Moscovo ou em Limerick. Para chegar a casa na posse do ouro mais precioso que existe.
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