Do transporte da fortuna, um tesouro que se furta aos dias selvagens. É o tesouro dos loucos – dizem, com desprezo. Um tesouro: pois há quem, entre o arvoredo irrepresentável, saiba congraçar os tumultos e devolver à casa da partida a bonança não demarcada.
Andam de apeadeiro em apeadeiro, os olhos fugindo dos mastins que se escondem nas arestas não mapeadas. Mestiçam-se nos interstícios das sílabas, amealhando o tempo precioso que fica órfão entre cada sílaba. Entesouram todo esse tempo. Sabem que o tempo não se inventa na escala por que é medido; o subterfúgio para o inventar é procurar os vazios entre duas medidas de tempo, que nesses vazios também se encontra o paradeiro do tempo.
Dizem que os loucos são evasivos, que não se ajuramentam à lucidez. Consideram que isto os desacredita. Os tão lúcidos, porém, nem dão conta como a flamância vem caiada com um véu que a obstrui. Acabam a definhar na antítese do que se dizem tutores. Por ofensa ao tempo que é uma medida escassa e por amesquinharem os loucos que sabem adestrar o tempo. Os assim lúcidos não contam nem para si mesmos.
Os loucos não se importam que lhes chamem loucos. Não se importam de serem párias do mundo irrisório. Preferem cingir a existência aos limites que estão fora das fronteiras do mundo – uma categoria invulgar de deslimites que identifica os loucos deste quilate. Eles sabem que o tesouro está escondido no entardecer onde se embaciam os segredos, já sem palavras mártires. São segredos porque querem que o sejam, não por ação do acaso. O tesouro deixa-os suados em ouro, enquanto emprestam os rostos a um retrato de fogo. Sozinhos com o seu tesouro, iluminam o dia em deposição da noite e servem a noite quando o dia se cansa de o ser.
Os loucos com esta tutela desafiam os códigos de conduta. Não se interessam pelo mundo consuetudinário que os isola em ilhas sem acesso. Nesses lugares, onde são a síntese de um sentimento puro, os loucos não esbracejam o tesouro em sua posse. Enjeitam a ostentação. Magnânimos, prestam um favor ao restante mundo: guardam para eles a condição de louco, não generosamente cunhada pelo mundo restante, e preservam-no de tamanho desqualificativo. Não querem que os não loucos desçam à condição de loucos. Não haveria tesouro tanto para repartir por tantos loucos.
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