Meço o chão que me dá esteio. Procuro o húmus escondido sob as capas superficiais. A geografia da alma não se esconde dos contratempos que a esculpem. Nas raízes dos dedos, até as árvores centenárias são pequenas. Um esboço de alma fortificada tutela uma razão a que se não oferecem razões.
Descarnado, sou o peito aberto que se entrega ao escrutínio. Não diria ser pago por um abismo, que de outras contrafações ninguém está a salvo. Vejo-me por fora de mim. É como se estivesse deitado num sofá e eu, ao ver-me por fora de mim, não soubesse quem estou a ver. Uma sensação de estranheza a percorrer o corpo do eu-observador, enquanto o eu-observado, desarmado, não se apercebe da conspícua observação. O dilema não se resolve com uma paga simbólica, nem com conspirativa corrupção. Talvez só sejamos plenitude quando formos perenemente observadores exteriores do nós mesmos.
Não desisto. Agarro o vento com as duas mãos, com toda a força, como se fosse o meu leme. Fico à espera que os poros se tinjam com o perfume do tempo e que esse perfume não seja uma tautologia. Não é o desalfandegar do futuro que procuro. Apenas quero que o vento me diga quem sou, se é que ando à procura de o saber; pergunto ao vento se preciso de tamanha demanda: não parece caso para tanto (responde o vento). Mesmo nos labirintos onde temos a despertença por companhia, há um mapa escondido no magma que deixa acesa a candeia necessária. A prudência desaconselha o ensimesmar sempre que resulte no culto da personalidade. Pois não há nada para cultivar, neste respeito. A fermentação já teve o seu tempo. O ensimesmar é a orfandade do eu, de um eu impróprio para consumo.
Descarnado, observador exterior do eu que sou, vejo na tela dos sonhos a irradiação de um santuário sem regras, um mar arroteado sem instrumentos náuticos, as estrofes desembaciadas no fulgor da manhã, a arrumação do caos numa constelação fértil, a desautorização do verbo corrente a favor das sílabas vagarosas debruadas a ouro. Vejo um espetáculo admirável, indescritível, o indeferimento do tempo impróprio que nos sitia.
Vejo, porventura, a zona demarcada sob os meus pés, no chão que meço como esteio.
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