1.7.24

Meia hora

Nils Frahm, “Re”, in https://www.youtube.com/watch?v=ScUP6MKmXpg  

Do que seriam os vândalos que leem as horas nos oráculos desembaciados? 

As farsas nunca andam nuas. Pertencem à matéria escondida. São como voos noturnos que escapam à sindicância dos radares, desenhando os desníveis do terreno, armadilhando os poetas desprevenidos. Digam que os inocentes são a carne mais fácil para canhão; mas é preciso adivinhar a descompostura dos canhões e a carne que se presta a ser violentada. O coração suspende a marcha, fica à espera que o tempo o vitamine em convulsões várias. Assim acontece com os corações hibernados: precisam de um estímulo elétrico para voltarem à vida.

Os povoadores da esperança não capitulam. Deles é o copo meio cheio, apesar de estar meio vazio. Perseveram como um rio que a esforço dita a erosão da rocha até então impermeável, sulcando o seu leito nativo. Se os vasos capilares não fossem compostos de sangue, o futuro podia ser colonizado pelos estultos que odeiam a pureza das lentes que procuram decantar a matéria viva. Que procuram evitar que ela sofra a metamorfose venal e se ofereça à morte. Os povoadores da esperança sabem que há uma fronteira que passaporte algum consegue franquear. 

A ambição limita-se àquela meia hora que se multiplica por décadas. A meia hora que condensa os miligramas que se transformam em tonelagem industrial, uma metáfora corrosiva que desfaz os escombros que se prometem para o tempo fortuito. Meia hora, uma meia hora apenas que se eterniza no lustre que se esconde em todos os museus. Em vez de vozes, um silêncio que as desterra. A pureza das intenções – que muitas vezes somos feitos de intenções e com isso contentamos um devir legitimado. 

A luz imita uma aurora boreal, diante do encantamento dos boémios que ficaram acordados até cedo (já a madrugada sussurrava o seu respirar). Enche-se o seu peito com a maresia que se enxerta na coreografia de luzes. Chamam-lhe nomes, por tentativa e erro. Festejam a embriaguez de cores que desfaz os vultos que tinham açambarcado a noite. Sua passa a ser uma despresença, enquanto os celebrantes hasteiam uma bandeira acabada de inventar. Não deram conta da meia hora. Chegou-lhes uma meia hora, para serem inteiros.

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