27.11.14

Novecentos e onze


Caribou, "Our Love", in https://www.youtube.com/watch?v=IMwgcRByA8Y
Novecentos e onze dias depois, a centelha continua ávida. Os olhos enfeitiçam-se com as palavras dóceis. As mãos não deixam de se entrelaçar. Uma fatia maior do mundo está no nosso regaço. A janela da alvorada testemunha o mar de que somos timoneiros. E, novecentos e onze dias depois, consagram-se esses e os outros, muitos mais, dias que se perfilam no horizonte do tempo. Deixando o fogo da centelha a fermentar nas mãos suadas. Deixando a vertigem num apogeu que nunca é definitivo, o apogeu à espera de um desafio mais alto que vem à medida que a sede do tempo vindouro faz esgotar os dias presentes. Novecentos e onze dias valem por quase todos os outros que ficaram atrás deles. O tempo que se desembainha no porvir só pode ser uma jornada promissora. Não se calem as vozes que adestram palavras que se embelezam nas nossas bocas. Não deixemos que o tempo seja poltrão; vamos a ele, com a crina nas nossas mãos e as rédeas cientes da nossa vontade. Porque os novecentos e onze dias são um garrote deste tempo todo: parece que foram menos, mas esses dias todos sabem a muito mais do que novecentos e onze. Tiramos à sorte o desfado pretérito – antes de termos começado a contar novecentos e onze e os outros, muitos mais, que haveremos de meter ao bolso da memória. Aquela é uma medida do tempo irrelevante. A nossa é que conta. Onde somos reis de um império de que só nós sabemos as fronteiras. Onde o sol não se põe se essa for a nossa vontade. Onde as palavras se entoam no canto melódico das estrofes que compomos mesmo sem alinhavarmos poemas. Pois a nós vem o que em nós é desejado. Sem importar a medida do tempo. Sem peias. Sem dar atenção às importunações que são devolvidas aos tiranos do desassossego. Um dia que seja nosso mede-se por meses, ou até por anos, da altura do tempo dos outros. Somos a nossa própria clepsidra. Onde somos água frondosa e fresca que dá de beber à luminescência das coisas. Os novecentos e onze são dias debruados a ouro de puro quilate. Uma lição sem préstimo, a não são para quem a merece: nós, tutores dos novecentos e onze dias, e da plenitude que veio com eles.

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