18.9.15

Lâmpada fosca

Santigold, “Lights Out”, in https://www.youtube.com/watch?v=G9WRSO7YYco
Nos filamentos da lâmpada não há sinal de fragilidade. Não é como aquelas lâmpadas que estão por um fio, literalmente, e o fio mais débil se rompe, extinguindo a luz. Porém, a luz vertida pela lâmpada tergiversa. Dá a entender que a escuridão pode substituir a claridade, a qualquer momento.
Inspeciona a lâmpada. Parece estar tudo a funcionar bem. Talvez por dentro da lâmpada haja elementos corrosivos que adulteram o seu funcionamento. Talvez possa haver um defeito de fabrico, estrutural. Mas não importam as causas da anomalia. Sabe que se a lâmpada não for substituída ficará refém das trevas: é noite. Não demora a procurar lâmpadas novas, e de preferência daquela medida, que possam estar algures na casa. Mexe e remexe em gavetas, nos armários para onde é atirado, com desprezável negligência, tudo o que seja aparentado de ferramentas e utensílios de bricolage. Não há sinal de lâmpadas novas.
Ao longe, na sala onde deixou a lâmpada fosca, nota as vacilações da luz que a lâmpada irradia. Até parece um corpo senescente nos seus derradeiros lampejos, quase a ir-se, a custo entretecendo o que serão os finais suspiros. A luz desmaia, mas ainda não se apagou. Tem algumas intermitências: apaga-se por um instante, menos do que um segundo, e retoma logo a seguir, ressuscitando um fulgor efémero. Continua sem encontrar a lâmpada substituta. Põe a hipótese de mudar uma lâmpada que não esteja acossada pela hibernação, retirá-la de outro candeeiro onde a luz não faça falta. Só que o candeeiro que alberga a lâmpada fosca é único nas medidas. As outras lâmpadas não cabem no bujão do candeeiro.
A inquietação cresce com as tergiversações da lâmpada, cada vez mais frequentes. É naquele lugar da casa que a luz é precisa naquela noite. Não é noutro compartimento. É lá que a luz tem serventia. Se se apagar, nem para fosca tendo uso, a lâmpada será responsável pela impossibilidade da empreitada anotada para aquela noite. Ele transpira por efeito dos nervos. A lucidez descompõe-se. De repente, rompe com os hiatos de entendimento. Afinal, esquecera-se do óbvio: as irregularidades na luminosidade vinham do abastecimento de energia.

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