Os
Poetas, “O navio de espelhos”, in https://www.youtube.com/watch?v=gbT8l8YyORo
As coisas servidas na
bandeja das televisões perdiam importância. Não era cansaço. Era apenas o enjoo
da realidade, a nauseabunda atualidade a contaminar as notícias servidas. Tratava-se
de um convite à alienação. Todo o contrário da ortodoxia: estar ao corrente das
engrenagens do mundo era condição primeira para a lucidez. Não podiam estar
mais errados.
Os poetas desenganavam a ortodoxia.
Adestravam palavras numa semântica reinventada. Havia inesperados casamentos de
palavras. Quem lia a poesia acabava por se meter numa equidistância entre a
alienação patológica e a toxicodependência da realidade. Uma equidistância
singular. Não estava a meio caminho entre os polos convencionados. Estava por
cima de ambos os vetores. Quem se conseguia alcandorar a este lugar embebia-se
numa paisagem bucólica, desprovida dos vapores nauseabundos da atualidade e da
neblina impante dos alienados. Na companhia de poetas ágeis, flutuavam entre as
palavras quiméricas que ora eram sussurradas, ora berradas à exaustão.
Aprendiam uma nova
gramática. O método para reaprenderem a ser gente maior. Talvez não lhes fosse
dado o dom de poemar. Tentavam, contudo. Eram apenas uns esboços terapêuticos,
não tinham a ambição de rivalizar com os poetas assim denominados. Mas estes
insistiam em que poemas novos fossem tentados. Os aprendizes escoltavam a
poesia sublime ao arrematarem a sua própria poesia tentada. Não era insulto aos
poetas viventes e aos finados. Era homenagem. Um dia, um dos bacantes, em assembleia
de opiniões, saiu-se com uma expressão que causou imediata impressão nos
demais: impunha-se a continência aos poetas. Sem que a continência fosse
aparentada com a militar, hierárquica continência, pois esta sela a
consolidação de castas.
A continência aos poetas
era uma homenagem às palavras que sabem, como ninguém, coreografar. Pois que o
poema ganha autonomia quando se solta da mão do poeta, torna-se património
comum através das páginas que os emolduram, através das vozes que os entoam
antes de serem (se forem) vertidos em letra de forma. Naquele púlpito não havia
afeções. Não havia infortúnios. Só plenitude congraçada pelos espíritos tutores.
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