15.9.15

As vozes desbotadas


Queens of the Stone Age, “In My Head”, in https://www.youtube.com/watch?v=69e8oa85F3g&list=PLpgpAyEmDZ58UYowMgGEmlHY0Sh7yymk6
Como um cinescópio avariado, exibindo as cores desmaiadas num raio concêntrico, as vozes sobem ao ouvido como sussurros que vêm não se sabe de onde. Mastigam as palavras vagarosamente. Ao início, os sons um pouco guturais soam a palavras ininteligíveis. Parece que apenas têm a função de incomodar os sentidos, pô-los de atalaia aos possíveis sussurros que possam vir a seguir. Depois as palavras articulam-se, começam a ganhar sentido. Só que continuam a não ter remetentes identificados. As vozes sem rosto ecoam nos ouvidos, percutem-nos constantemente, até que os sentidos comecem a doer. É que as palavras segredadas contra a vontade dos ouvidos são palavras sem rosto, por mais que o olhar atento destape as pontas soltas em redor. E as palavras, como as vozes, começam a ser um desassossego. Assemelham-se a sonhos confusos, disformes, aqueles sonhos que podiam pertencer a um prontuário do surrealismo. As vozes não soam nítidas, parecem distorcidas por um qualquer mecanismo acoplado a um microfone que adultera a nitidez da voz. As vozes proclamam frases que soam a um alter ego de quem as ouve. Como se fossem uma maldição que se insinua aos ouvidos e se contamina ao resto, numa permanente inquietação. As vozes ora falam à vez, ora entoam em coro. Ora em uníssono, ora num arrevesado caos que torna a mensagem um puzzle de palavras soltas. Mas mesmo na confusão assim adornada soerguem determinadas palavras chave, palavras que fazem tremer os esteios por dentro, palavras que parecem presságios ditados depois do tempo, palavras outrora vãs e que deixaram de ser pronunciadas. Vozes em estridência, já não em forma de sussurro. E dessas vozes sobressai uma constelação de frases que, entrelaçadas, dariam para um epitáfio. Sobressaltado, tateando na escuridão que vem do anonimato das vozes que são intrusas, é a vez de lhes dar caça intrépida. Oxalá conseguisse descobrir a fonte das vozes desbotadas. E encarcerar essas vozes todas. Para limpar o pensamento.

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