Morphine,
“Honey White”, in https://www.youtube.com/watch?v=GsQB4vc2jQc
Falava-se de
impossibilidades quânticas: corria de boca em boca que havia um mel que não
adocicava, como se fosse possível ao vinho ser vinho ser ter antes fermentado.
Dizia-se que era feito por umas abelhas malsãs, vítimas da manipulação genética,
abelhas sem ferrão e, todavia, incapazes de fazerem medrar um mel com o seu
principal atributo. Nem os apreciadores de coisas amargas conseguiam consumir o
mel azedo. Provavam-no e, depressa, o esgar de enfado mostrava a inépcia do
mel.
Tempos depois descobriu-se,
por acidente, que uma tribo de um lugar recôndito da África subsaariana adotou
o mel azedo na dieta. E também se descobriu que se azedassem (literalmente) o
leite, os habitantes da tribo deixavam de ser intolerantes à lactose. Mais se
descobriu, ainda: o leite de cabra (que vinha de uma aldeia próxima) misturado
com boiões de mel azedo dava origem a um queijo sublime. Passou a ser
exportação da tribo para todo o mundo. Pago a peso de ouro. Pois nem o mel
azedo era abundante, nem a produção de leite daquela espécie de cabras era
coisa que se visse (era quase só para a autossubsistência das tribos nas
imediações).
Os felizardos que
amesendavam na companhia do queijo inesperadamente gourmet ficavam embebidos de dotes artísticos – foi outro achamento
bizarro. Os artistas de variadas artes, em sabendo do predicado, estavam
dispostos a pagar este queijo a preço de ouro, se preciso fosse. Depressa
descobriram que a inspiração só funcionava nas pessoas que nunca foram
artistas; ou que, na melhor das hipóteses, os dotes artísticos revelavam-se em
arte diferente daquela de onde vinham os artistas.
Os cientistas gastaram as
pestanas e espremeram as equações para encontrar explicação para a teia de
causalidades. Nunca chegaram a conclusões – até porque, em pouco edificante
competição de egos, digladiaram-se com virulência na praça pública, dizimando a
sua reputação. Os políticos acharam solução bastante: primeiro, começaram por
proibir a importação do queijo quimérico. Alegando que, mercê da incógnita
deixada pelos cientistas, o produto tinha de ser equiparado a estupefaciente. O
que foram fazer os políticos! Montou-se um mercado negro do queijo de mel azedo
fora dos limites proibitivos das autoridades. Que decidiram atalhar a eito:
seriam formadas brigadas para exterminar as abelhas geneticamente transformadas
que produziam o mel malquisto.
A páginas tantas, os
mercados subterrâneos já tinham enxames clandestinos de abelhas destas. As
outras drogas perderam mercado e os habituais traficantes, através de testas de
ferro, até queriam coligar-se com as autoridades para dar caça aos guardadores
destes enxames. E nunca as artes, todas as artes, tiveram produção tão prolixa.
(Ou então, inebriados
pelo queijo, tudo passava por arte e tudo o que fosse arte era magnífico.)
1 comentário:
Olá, gostei muito do blog!
Também tenho um onde coloco algumas de minhas poesias.
Poderia visitar? :D
http://wordsbyalonelyguy.blogspot.com.br
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