1.9.15

Vida tanta

The Horrors, “Still Life”, in https://www.youtube.com/watch?v=sJQk0jDZx8o
O navio sacudido pelo mar enraivecido. Vacila, entre as vagas alteradas. A água do mar é cuspida contra o convés, varrendo-o de um lado ao outro. A noite está medonha, a condizer com a tempestade – como se fosse ainda mais assustadoramente escura. Entre o vai e vem do mar convulsivo, parece que o navio fundeia nas profundezas do mar quando desce dos contrafortes de uma onda maior.
O silvo do vento iracundo soa a um murmúrio dos diabos que entra pelos ouvidos e fica a percutir constantemente nas ideias. Mas não há tempo para sondar sobressaltos estes. A empreitada de salvar o navio vem agarrada ao peito. O comandante mede a sua destreza. Toma o leme do navio enquanto tem um olho no radar que mostra os humores da tempestade e o outro tenta ler a dimensão das ondas. Os marinheiros não escondem o temor; por mais que seja a tarimba dos mares, não esquecem o rol de histórias de naufrágios ou de navios desaparecidos, engolidos por uma tempestade inominável. Todavia, não capitulam. Metem mãos à obra. Cada par de braços faz comandita para derrotar os fantasmas que se sopesam na forma de uma tempestade que desarranjou os mares. Não querem ficar reféns dos mares. Não querem, menos ainda, que as profundezas dos mares sejam a sua sepultura. Não perguntam onde foram arranjar forças, eles que já não dormem há mais de um dia depois de uma noite tão escura passada em branco. Não têm tempo para essas interrogações. A empreitada não deixa tempo se não para serem combatentes contra a tempestade que adulterou os mares sulcados pelo navio.
Eles sabem que a tempestade, por tão duradoura e violenta, pode causar danos estruturais no navio. Sabem que há um quinhão da empreitada que está à mercê do sortilégio. E sabem que estão à mercê dos acasos. Tudo o que querem é que aquele pleito não termine com o ocaso do navio, que seria o ocaso de todos eles. Continuam de pé, molhados até aos ossos, tiritando de frio apesar do suor. Porque sabem que a vida vale mais do que todos os sobressaltos que possam adejar. E, por isso, vão buscar forças ao mais fundo de si mesmos. Pois sabem que o céu azul há de despontar entre o teto plúmbeo de nuvens que descarrega toda aquela ira sobre o navio.
Um lampejo de sol selará o triunfo sobre os malditos diabos que os queriam arregimentar. Nessa altura, nas suas preces, enquanto agradecem aos deuses dos mares por os terem poupado, prometerão não voltar a ser embarcadiços. Até se esquecerem da promessa e voltarem a ser cidadãos dos mares.

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