Bunnyranch,
“Where Am I, Where Are You”, in https://www.youtube.com/watch?v=rYvzUcIOONQ
Não
sabia se era pesadelo, ou se os sentidos estavam de atalaia. Desconfiava que o
lugar onde estava era familiar. Não se lembrava de ter viajado na véspera.
Estranhamente, por mais que errasse pelas ruas apinhadas de gente, não as
reconhecia – ruas e gente. Estava com a impressão de ter arrimado a um lugar
desconhecido.
Nada
contra os lugares desconhecidos. Oxalá pudesse viajar mais para retirar muitos
lugares do arcabouço do desconhecimento. A perplexidade de estar num sítio sem
pertencer à moldura das memórias e sem saber como lá foi parar calibrava as
interrogações que surgiam, férteis e repetidas. Que lugar era aquele? Como fora
aqui parar? A falta de lembrança era sobre o conhecimento do lugar, ou sobre a
viagem de que não se lembrava de ter empreendido? Estaria doente – uma amnésia,
ou uma daquelas afeções temporárias que limpam a memória recente mercê de uma
droga qualquer que lhe fora administrada sem ele saber?
Começou
por sondar a geografia do lugar, a começar pelo começo primeiro: o idioma que
ali se falava. Era ininteligível. Não conseguia reconhecer sequer os sons
gatafunhados pelos habitantes daquele lugar. Nem ler o que estava escrito nos outdoors, nas ementas dos restaurantes,
nos jornais afixados nos quiosques. Podia perguntar à primeira pessoa que passasse
que lugar era aquele, nem que fosse por linguagem gestual (à falta de se
entenderem num idioma comum). Um contumaz silêncio apoderou-se, porém. Não
conseguia abrir a boca quando queria pronunciar palavras. Talvez fosse medo que
o tomassem por louco, pois quem não sabe onde está padece desse mal (diz-se).
Procurou
na toponímia pistas para o dilema. Em vão. As perguntas continuavam a contaminar
o pensamento: como iria sair daquele lugar? Como haveria de regressar, se nem
sequer se lembrava de como lá chegou? E a pior das perguntas existenciais (até
então): qual era a sua terra? Achou-se nómada constante. Não se sabia de lugar
algum. Nem conseguia tirar as medidas aos lugares por onde arrastava o corpo.
Podia ser que todos os lugares tivessem perdido o nome. Podia ser que as
pessoas vivessem em lugares diferentes sem saberem que havia uma pertença. Ninguém
falava com ninguém. O silêncio assassino multiplicava os sinais de apoplexia,
que sentia nas imediações de si mesmo.
Desdramatizou:
só podia ser um pesadelo. O sono, quando levantasse a cancela, trataria de
tirar a máscara ao pesadelo interminável. E se o sono fosse imorredoiro?
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