Mac Demarco,
“Freaking Out the Neighbourhood”, in https://www.youtube.com/watch?v=_xEE_UY--ZM
Os
refugiados da Síria continuam a entrar na Alemanha. Continuam a tirar partido
do país que se pôs na vanguarda da generosidade imperativa perante a tragédia
que empurra os refugiados para o exílio. Em reação, uns trauliteiros de direita
estiolam teorias da conspiração: os terroristas meteram alguns dos seus entre
os refugiados; divulgam-se panfletos (sem saber se a origem é fidedigna) dando
conta que os terroristas de pior linhagem planeiam tomar conta da península
ibérica em 2020; e protestam porque não damos atenção aos sem-abrigo indígenas,
como se alguma vez tivessem sido sensíveis aos desvalidos em que esbarram todos
os dias.
À
esquerda, outros instruídos afiançam outros cenários fantasiosos: temos de
estar de atalaia à generosidade dos alemães (quanto mais não seja, porque os
alemães são sempre de desconfiar – como quem argumenta “sim, apenas porque
sim”); atestam uma causalidade entre a exportação de armas para a Síria (dizem
que a Alemanha é o maior exportador) e o fluxo de exilados sírios que aporta
naquele país; asseguram que a boa vontade faz parte de uma estratégia para
aproveitar futura mão-de-obra barata, dando ao mesmo tempo lições de
microeconomia pois a entrada de tanta gente necessitada será um elemento de
pressão sobre os salários, que tendem a baixar. Imputa-se a paternidade desta
grande estratégia ao liberalismo (variando a acusação nas submodalidades de
liberalismo, desde o neoliberalismo ao ultraliberalismo – desconhecendo que na
Alemanha existe uma coisa chamada ordoliberalismo, com muitas diferenças em relação
àquelas vituperadas submodalidades).
Os
demenciais de direita que cerzem as suas convenientes ideias sobre o assunto não
merecem que se perca três segundos com tempo de resposta, tamanho o asnear e a
hipocrisia da turba. A confiar nos maniqueístas de esquerda, está tudo montado
para o poder político ser instrumento dos abjetos interesses dos capitalistas. O
costume. A confiar na elucubração, há gente que se quer aproveitar da tragédia
dos refugiados para fazer lucro, muito lucro. Tudo fez parte de um plano pérfido:
os alemães enviaram armas para as partes que se guerreiam na Síria, adivinhando
que um êxodo se seguiria; anteciparam que outros países europeus seriam
timoratos na hora de acolher tanta gente fugida da Síria; ato contínuo,
apareceu o governo alemão a remar contra a maré, numa operação de relações
públicas para compor a má imagem que andou a espalhar durante a crise da zona
euro; em ato final da maquinação, os refugiados aceitarão trabalhar por
salários miseráveis e os que já estão no mercado de trabalho serão forçados a
emprestar a força de trabalho por salários mais baixos, mercê do equilíbrio
para baixo causado pela súbita inserção de refugiados sírios naquele mercado.
É
nestas alturas que me apetece acordar bêbado. E ficar bêbado o dia inteiro, imarcescível
na mais profunda alienação de tudo. Prefiro a embriaguez a aceitar que há gente
que ou labora na plena desonestidade intelectual, ou está sitiada num irremediável,
mas contingente, pessimismo antropológico. (Contingente porque seletivo: vem ao
de cima porque manifestações que podiam sinalizar otimismo antropológico vêm de
quem não convém).
Antes
bêbado, pois, do que mal parido das ideias.
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