22.1.19

Cem histórias a contar (short stories #91)


Mler Ife Dada, “Sinto em Mim”, in https://www.youtube.com/watch?v=R8VWUvSI57A
          Do insistente inventário, um cálculo com efeitos posteriores. Dizes que queres que te contes histórias. Cem histórias. Não colocas prazo, o que me sossega. Agora sei que tenho de honrar a promessa. Contar-te-ei as cem histórias. Hei de reunir as personagens a preceito, os enredos que merecem assentamento no estuque em que se compõem as histórias. Hão de ser histórias sem tédio, prometo. Talvez, algumas histórias com intensidade, digamos, filosófica (porque agora deu-me a mania da filosofia). Mas histórias que não se enredem em labirintos inextrincáveis. Já agora, enredos não emaranhados em vocábulos quase sem uso, nem em gramática gongórica. Verás, desde este ponto de vista, que não é fácil a empreitada a que vou meter mãos. Quero conseguir histórias despretensiosas. Não serão lições de vida – não sou ninguém para alinhavar histórias de vida. Não serão preceitos com moralidade a tiracolo; já aprendemos, na vida que levamos, que as moralidades se estilhaçam com o menor tremor do chão em que assentamos. Cem histórias. Ou mais. Se, pelo caminho, continuares a inspirá-las, quer pela tua presença em mim, quer apenas porque ao estares do meu lado produzes um efeito catártico e as palavras não se encomendam à mudez. As histórias podem ser levemente autobiográficas, ou remeter para um imaginário que medra no fermento do meu pensamento. Admito que será mais o segundo caso – e não o digo por pudor, ou por ser desconfortável a exposição que acontece quando um laivo de autobiografia se enxameia numa história. As histórias serão um arpão que se enlaça com as diferentes menções do tempo. Sem recusar as palavras meãs e as que reivindicam palcos mais altos. Sem recusar recursos estilísticos e o apelo a metáforas, sem pôr de lado as linhas que se leem nas entrelinhas e as palavras que são frontais. Sem fechar as janelas que se antepõem na moldura de uma história em ebulição. Umas vezes, com os olhos claros, despejados, evocando as medidas sem limites que se sobrepõem à costura das histórias. Outras vezes, a personificação de um rosto melancólico que não se esconde no fingimento de si mesmo. Mas sempre histórias. Cem – ou as que forem precisas para sermos atores primeiros num processo dialógico infinito. Revejo os planos: vão ser muito mais do que cem histórias.

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