25.1.19

Santuário das palavras esquecidas


Trentemøller, “Where the Shadows Fall” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=OsUmgRXyPBY
As pedras inamovíveis sobre a memória impedem uma palavra de vir à superfície; diz-se, a palavra emaranhada debaixo da língua, mesmo à mão de semear, mas a boca não a consegue pronunciar por um qualquer impedimento mental. E a palavra é mesmo precisa naquele momento e recusa-se a ornamentar a frase, que fica incompleta, talvez até ininteligível, se a palavra em falta for a mais importante da oração.
Ou então, uma determinada palavra, das que se entronizam na categoria de palavras-chave, anda esquecida na indústria tentacular do vocabulário. Às vezes, vem a propósito admitir como anda esquecida a palavra e como ela não merece o olvido. Outras vezes, a palavra fica acantonada no esquecimento por excesso de uso. De tanto ser aplicada, rebenta na boca como palavra sem sentido – os sons entoados quando a boca a pronuncia soam a um idioma estrangeiro, desconhecido. 
As palavras são esquecidas por ato volitivo ou contra a vontade – neste caso, como se ganhassem vontade própria e se escondessem da boca que as promulga. Têm o mesmo estatuto: esquecidas palavras. Para umas e outras, pode ser conveniente mantê-las em banho-maria. A sua utilidade não se desfaz no esquecimento voluntário. A vontade dá muitas voltas e mais tarde pode a sua utilidade constar do manual das intenções. Por maioria de razão, não pode ser a baça cortina do esquecimento a travar o passo à palavra esquecida. 
Tem de haver um lugar de onde se possa resgatar as palavras esquecidas. Um santuário, que forneça pistas a filólogos generosos dispostos a resgatar a palavra do olvido, ou arquivando num lugar seguro as mnemónicas que reativam a esquecida palavra. Um canto quase anónimo nas curvas do pensamento, que dê caução à recuperação das palavras esquecidas. Arrumando-as em categorias, para instruir a tarefa e os clientes não se queixarem à proteção dos consumidores. Um santuário interior, fechado ao resto do mundo nas horas do expediente (quase todas) e que apenas se dá a conhecer quando a demanda por uma palavra esquecida ferve a irritação ao não ser possível dar conta do seu paradeiro. 

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