29.1.19

Operação de destruição do anticiclone


Dead Can Dance, “Ulysses”, in https://www.youtube.com/watch?v=2Uk3sExKtao
Era uma operação secreta, à revelia das autoridades. Um grupo de cientistas, farto do inverno que de inverno só tem o nome, e sabendo que a culpa de o inverno visitar outros lugares era do anticiclone dos Açores, congeminou uma operação de implosão do anticiclone.
Eram - por assim dizer – cientistas que se insurgiam contra o monopólio da natureza, não aceitando que ela adultere aquilo que os tempos imemoriais emolduraram como estado natural: o inverno sempre fora feito de chuva, tempestades, frio, às vezes neve, e um punhado de dias de sol para desenjoar de tanta invernia. Mas era isso o inverno: inverno. Não como agora, um inverno apenas de nome, ou um inverno disfarçado de outono, enquanto outros lugares, mais setentrionais e a Leste, continuavam a ser fustigados pelos rigores do inverno. 
Os cientistas, insatisfeitos com o boicote que a natureza impunha sobre si mesma, serviram-se do seu conhecimento para a operação secreta de implosão do anticiclone dos Açores. As altas pressões atmosféricas, teimosamente estacionadas sobre o mar adjacente ao arquipélago dos Açores, desviam as tempestades, a chuva, o vento, o frio e a neve para lugares mais setentrionais e a Leste. Decidiram que tinham de atuar sobre a origem do problema. Queriam resgatar o inverno tal como dele tiveram conhecimento desde a infância. 
(Um deles, mais radical, não se cansava de protestar: “se fosse para ter este tempo a destempo, mudava-me para os trópicos.” Mas este cientista sempre fora conhecido pelos exageros.)
No dia combinado, e uma vez assegurado o financiamento (os financiadores ficaram na sombra, pois se a maioria protestava contra o inverno ameno, o que diriam do inverno recuperado por esta operação secreta...), os cientistas tomaram lugar no avião com todo o equipamento necessário. À última da hora, avisaram os navios nas imediações da área sob intervenção para desviarem a rota para um perímetro de segurança. O mesmo para o tráfego aéreo. Não podiam correr riscos: a implosão do anticiclone dos Açores, através de raios gama, podia causar ondas de choque nos lugares mais próximos à sua ativação. 
Quando o cientista-chefe acionou a tecla “entre” do computador principal, os raios gama começaram a ser libertados de uma altitude de quarenta e um mil pés sobre o epicentro do anticiclone. Não tinham a certeza se estavam seguros: as ondas de choque podiam atingir o avião e fazê-lo despenhar. Estavam tensos, perante o risco que corriam. Conseguiram anestesiar o medo em função da curiosidade científica da operação montada. Das janelas do avião, aperceberam-se de um esvaziamento do ar, como se alguém tivesse retirado a rolha e todo o ar fosse sorvido de fora para dentro. Era o efeito esperado. O avião sofreu apenas uma turbulência média, durante uns breves segundos.
Fizeram as medidas atmosféricas relevantes após a implosão do anticiclone. A pressão atmosférica descera, e significativamente. Se tudo corresse de acordo com os ensaios científicos, o inverno estaria de regresso dentro de um par de dias. O anticiclone dos Açores tinha murchado e as baixas pressões tinham autoestrada livre para caminharem em direção à península ibérica. 
O inverno estava de regresso, ao fim de anos de muito tímida presença.

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