1.1.19

A sombra começa à porta de tua casa, mas no sentido da saída (Manual do sedentarismo salubre) (short stories #85)


Conan Osiris, “Adoro Bolos”, in https://www.youtube.com/watch?v=h_wnOLEx-OQ
          Aos visionários do apocalipse (e há-os para os mais variados gostos): não recusem os bondosos conselhos aos demais. Nunca será tarde para advertir os semelhantes que o fim do mundo está para vir e, em alguns casos, está marcado no calendário. Talvez sejam estas as pessoas mais bondosas de todas. Em pressagiando o decesso do mundo para breve, e sendo insistentes na divulgação da profecia, esbofeteiam o mais próximo com a fulgurante despedida do mundo. Dir-se-ia que são fantasmas que adejam sobre a nossa existência e que, de tanta insistência, povoam o horizonte de sobressalto, confundindo-se com a impaciência para com eles lidar. Quem assim lidar com os profetas do apocalipse está a cometer uma tremenda injustiça. Deviam agradecer e, de preferência, sugerir uma comenda ao presidente da república, ou encomendar umas alcavalas que sustentem as necessidades materiais de gente que presta serviço público tão inestimável. Pois não é dado a perceber, aos impacientes e aos incréus, que tomam conhecimento da data (dia e hora) em que o mundo passará a ser um imenso buraco negro? Deviam agradecer. Sabendo da proximidade do apocalipse, ser-nos-ia dado (se não fossemos ingratos e incultos) a perceber que somos devedores perante nós mesmos de todas as empreitadas que nunca foram feitas por pudor, por ausência de possibilidades materiais, ou porque considerávamos que excedia a medida do aceitável e nos podiam pespegar o rótulo de loucos. Na proximidade do decesso do mundo, tudo o resto deixa de importar, a não ser as juras feitas, os planos que vinham sendo constantemente adiados, ou mutilados, as dívidas não contraídas por sobrepeso no orçamento familiar, ou apenas as palavras nunca ditas e que tanto apetecia proclamar no meio de uma rua inundada de gente, só para perceber que a vergonha já não intimida. O fim do mundo, afinal, até pode ser um desiderato agradável. Venham, pois, as comendas e as encomendas materiais para os profetas da malquerença.

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