3.1.19

Pacto de agressão (lamber as feridas) (short stories #87)


Tim Bernardes, “Recomeçar”, in https://www.youtube.com/watch?v=mfRj60-MpRU
          Nos termos do acordado, os contratantes farão os seus melhores os esforços para arremessarem o gládio aos demais, num feixe de insuperável idiotia de que não dão conta. Nos termos do acordado, os contratantes farão de suas bélicas demandas o leito nupcial onde terão a mais alta decadência. Insultar-se-ão em prosa rimada. Não perderão o ensejo de esbofetear o outro à primeira oportunidade e, de preferência, com dolo indisfarçável. Perderão a paciência ao menor sibilar do vento, não decantando as sílabas entoadas pelo vento ouvido. Congeminarão os ardis agressivos como proposta de defesa – sem intuírem que a predisposição para a agressão não precata a dissuasão. Depois, em função do estatuído, os contratantes cuidarão de lamber as feridas abertas. Cada um será penhor das cicatrizes fundas, das cicatrizes que teimam em ser feridas abertas à medida que os termos do acordado forem um labirinto contido em múltiplos labirintos, com a metódica desconfiança a medrar no púlpito de uma rosa enegrecida. As limalhas das engrenagens gastas serão o nutriente pútrido que sobrará entre a devastação que é paisagem dominante, depostas sobre a pele condoída. Lamber as feridas, nestes preparos, é uma dor excruciante que se sobrepõe à dor excruciante acendida pelas feridas abertas. E, mesmo sabendo dos despreparos em costura, as partes contratantes soerguem, em companhia de solene traje, a cicuta que arregimentam ao formalizarem o contratado. Não lhes interessa mais nada: convencidas que os termos do acordado servem o mais elevado fito (o salvo-conduto da identidade e a inexpugnável malha que a entretece), os contratantes firmam o passaporte do desassossego contínuo. Como garantia do cimento assegurado para o respeito pelo pactuado, as escolas servem para ensinar os seres que aprendem a pensar que não se interroga o pacto de agressão: ele dever ser obedientemente seguido. Não sabem, os seres que aprendem a pensar, que estão a ser atirados para a boca do lobo e serão eles os futuros a lamber feridas.

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