20.1.21

O estatuto médio (short stories #293)

Sleaford Mods (ft. Billy Nomates), “Mork n Mindy”, in https://www.youtube.com/watch?v=iKcbSOjIzjQ

          Ajanotam-se, os aspirantes ao desanonimato. A fatiota mais graciosa, compondo o cabelo ao milímetro e ensaiando o discurso, com as vírgulas no sítio e, de preferência, escassa adjetivação e moderado uso de advérbios de modo. Os tais “cinco minutos de fama” não podem ser desperdiçados com uma entrada de sendeiro. Tudo tem de estar à beira da perfeição. Poderá não haver outro ensejo. Na hipótese de ser gorada a tentativa de subir o corrimão da fama, sobra o anonimato. Podem ficar no umbral da melancolia, entendida como a patologia de quem não consegue sair da cepa torta. Não percebem, estes aspirantes, que o anonimato é o que mais os aproxima de um dom incomensurável. Não tomam consciência, talvez por desconhecimento de causa, que o descaimento dos holofotes sobre as suas pessoas, uma vez extraídos ao estertor da indiferença, termina com as possibilidades de escaparem aos olhares intrusivos que os “conhecem de algum lado”. Se pudessem ir ao estrelato e regressar ao conforto do estatuto médio, dissolviam a ambição de se tornarem públicas figuras. Enquanto figurantes da imensa mole indiferenciada, são mais um entre tantos. Sem outros olhares espiolhando o que fazem e o que dizem. Sem se prestarem aos juízos que sobre si impendem, com a descomodidade de verem outros sentenciarem sobre as suas vidas. Se conseguirem singrar na imodesta proposta que se atribuem e o filão das públicas personagens conseguirem engrossar, sosseguem que não é deformidade definitiva. Na intensa efemeridade do hodierno, tão depressa estão nas bocas do mundo como caem no oblívio. Nessa altura, resgatam o estatuto médio. Podem voltar à rua sem terem olhares estranhos a invadi-los. Podem, sem receios outros que não seja a prestação de contas que se autoimpõem, desandar das convenções. Não digam que o estatuto médio não é o mais apetecível.

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