6.4.21

O homem que não queria governar o mundo

Tears for Fears, “Everybody Wants to Rule the World”, in https://www.youtube.com/watch?v=aGCdLKXNF3w

No país mais poderoso, o homem escolhido para a liderança acordou e decidiu que não queria governar. Aconteceu no dia a seguir à tomada de posse. 

Por que deixou de querer governar o mundo, este homem? Teve um sonho com uns gramas de epifania. Um ror de corsários embuçados desfilava pelo quarto, cercando a cama, ameaçando colonizar todos os sonhos com imagens terríficas, com todo o sangue vertido em guerras como se fosse o rio sobranceiro ao palácio e uma sucessão de cadáveres pontuando as colinas em redor. Todos os dias estes pesadelos em consistório, enquanto o homem não renunciasse à governação do mundo. Porque eles, fantasmas bondosos, sussurravam em contínuo que o mundo não precisava de ser governado pelo mais poderoso.

Como podia reverter a jura que fizera no dia anterior, quando, em declaração solene, jurara governar para bem da pátria e, por consequência, do mundo? Reuniu-se com os conselheiros. Estes, atónitos e desorientados (assim como assim, iam perder a sinecura...), aconselharam o homem a desistir da intenção. Um deles chegou a invocar o argumento mais forte: é uma traição a quem o elegeu, tem de recuar na intenção. O homem não ficou convencido pela artilharia retórica. Não queria ser julgado por traição à pátria. Mas se, em última instância, tivesse de ser, não era homem para alijar responsabilidades.

O que acontecerá ao mundo que não vai ser governado por este homem? Vai continuar a ser governado por outro, seu substituto, outro todo-poderoso. A menos que qualquer substituto que tome posse seja assaltado pelos mesmos demónios em seus sonhos e se atemorize com a ameaça devastadora inscrita nos pesadelos ajuramentados. Até que um deles revele o segredo à pátria, e ao mundo, e os vassalos compreendam que o mundo dispensa a tutela do mais poderoso.

Até lá, está tudo em espera. O homem que já não foi a tempo de governar o mundo partiu para o exílio, o seu nome arrastado pela lama pelos vassalos (a vingança dos vassalos – dos que o elegeram e dos outros). Conseguiu, aos menos, que o sono voltasse a ser um lugar sereno para devolver as forças do dia.

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