12.4.21

Danos colaterais (short stories #311)

Pond, “Eye Pattern Blindness” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=tR9QIU4vGsI

          O trote do cavalo vem do rumorejo do vulcão. Antes da tarde, com medo que depois seja tarde, a cerimónia não espera por chamamento. É a levedura dos sinónimos que denuncia os apócrifos que se penhoram sem causa aparente. Há quem proteste que as ditaduras medram por muito menos. Acusam-nos: são uns exagerados. No sentido dos ponteiros do relógio, desmata-se a fúria que nasceu órfã. Devia continuar ausente, se nasceu órfã. E, todavia, sente-se o incriminar das veias como lugares onde os vultos ciciam palavras suspeitas. Os braços dormentes não deixam grande margem de ação. É o que os infelizardos, que desconfiam das conspirações, chamam “o lugar do morto”. Tudo passa ao lado, ao arrepio da vontade das vontades que se orquestram. Oxalá os amanhãs viessem autografados nas varandas belas que se debruçam sobre o mar. Haveria sempre um dedo a apontar o caminho preciso. Uma palavra a destronar o silêncio compungido. Almas reatadas nos destroços sem paradeiro. Avisam-nos: que a latitude dos atos seja sopesada para não cairmos na vulgata do arrependimento. Ou, o que é pior, para não deixarmos vítimas inocentes nos despojos dos nossos atos. Por isso, aprendemos com os vulcões uma dança paradoxal onde levitam os paradoxos. Em vez de danos colaterais, uma compensação que remenda a posição dos que, de outro modo, seriam vítimas. Uma lógica sem precedentes: a disposição das peças no tabuleiro exige que se antecipem as jogadas que se seguem. Ao estimar a rosa-dos-ventos onde se congeminam os perdedores e os ganhadores, os penhores da vontade estatuem as compensações que previnem os danos dos perdedores. Aprende-se a alargar o território onde se jogam as intenções e os seus efeitos imprevistos. Aqui, não há danos colaterais. Só compensações colaterais. Ninguém perde. Ninguém fica órfão nas pendências que persistirem.

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