2.4.21

Legítima defesa (short stories #309)

The Clash, “Know Your Rights” /live), in https://www.youtube.com/watch?v=XlqSSWXbcOw

          Desembestado o arsenal, o corpo fica à míngua de proteção. Foge, para onde seja possível. Não quer ser mártir das munições algozes. O corpo pode antecipar o movimento beligerante. Mete os serviços secretos ao serviço para perquirir se o arsenal está a ser alindado e se é para a parada anual ou para ser exercitado. Instrui os serviços secretos para serem vorazes na obtenção de informação. Os meios que forem precisos (corrupção, grande ou pequena, fica ao critério dos agentes). Recolhida a informação dos serviços secretos, apuram-se as probabilidades. Os melhores analistas são sondados. São pedidos relatórios fundamentados. Com urgência. Os resultados apontam para manobras antecipatórias de uma agressão. Os relatórios são unânimes. Só divergem quanto à data previsível da agressão. Antes que ela tenha lugar, que se ponha em marcha a retaliação. Uma retaliação a destempo, pois a retaliação acontece como resposta à beligerância dos outros. Invoque-se a legítima defesa. Invoquem-se as movimentações dos serviços secretos, que souberam, de fonte segura, que o ato de beligerância estava por dias. Daí a legítima defesa: antes de o corpo ser atacado, atacou quem o queria atacar. A legítima defesa pressentiu o ato de beligerância e atacou o beligerante antes que ele pudesse sê-lo. O arsenal (ou partes dele) foi consumido no boicote dos agentes bem treinados. Lançar mão da legítima defesa não previne beligerância futura. Por mais diligentes que os serviços secretos tenham sido, não podem ter a certeza que descobriram todo o arsenal que pode perturbar a serenidade do corpo. Confirmando-se as suspeitas sobre as limitações inspetivas dos serviços secretos, o corpo não pode evitar a retaliação contra a legítima defesa. Ninguém pode antecipar onde vai desaguar a espiral de arsenais atirados sobre o outro. Estes pleitos de vizinhança que se terçam com armas não costumam ter final feliz.

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