A alma funda procura um rio. Arruma as mãos na terra negra que serve de caudal. Arruma as mãos, desarrumando a terra; o insulto maior – diz-se – é tirar o freio ao futuro sem saber inventariar o olhar persistente. Avançam os estorninhos, como se estivessem a perseguir a Primavera. O olhar desatento insurge-se contra as maleitas do mundo de que não é vítima predileta. Talvez a alma funda se apazigue se encontrar o rio. Ou talvez se ela não cobrar franquia ao basalto deixado em legado. Precisa de um húmus. Precisa de um verbo que a faça reapossar da vontade que se encontra colonizada pelos estigmas averbados nas panaceias da pertença. Sente-se a antítese de um paladino. Mas por que haveria de querer ser um paladino se a alma não tem causas? Ela vira-se do avesso, à procura de matéria. Inspeciona-se, com diligência. Encontra o basalto tatuado, o seu contraste avivado na pele que foi virada do avesso. Não possui nenhuma quimera. Limita-se a ser uma reverberação dos imoderados amplexos que o mundo limítrofe distingue. Se não houvesse estas marcas distintivas, a alma sentir-se-ia avulsa; ou órfã. Não tem nada a perder: ascende ao topo e golpeia o sol com a sua fronte ousada. O sol não verte lágrimas. A alma não sangra. Os despojos são uma simulação que faria sentido numa peça de teatro. Aqui cuida-se dos cuidados da alma que precisa de amparo. Mas a alma não pede amparo. Pressente-se que precisa dele. Por isso esconde o basalto tatuado. Não por pudor; por saber que se vissem o basalto tatuado adivinhavam que esta é uma alma fortaleza. Que alma aguenta o basalto tatuado sem verter uma lágrima? No cofre, um diadema reserva o sortilégio. Não é qualquer um que esconde o basalto tatuado.
30.4.21
Basalto tatuado na alma (short stories #319)
The Jesus and Mary Chain with Hope Sandoval, “Sometimes Always”, in https://www.youtube.com/watch?v=rfEvgf2DdTQ
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