O lugar predileto das andorinhas era o relógio da igreja. Sentavam-se nos ponteiros do relógio e ficavam, longas temporadas, estorvando a marcha dos ponteiros. Durante essas temporadas, o relógio ficava atrasado. O tempo, como que mentindo entre parêntesis, não contava.
E assim foi até que, uns tempos depois, os habitantes da aldeia repararam nos atrasos sistemáticos do relógio. Muitos deles estavam acostumados ao batimento sincopado do sino que funcionava como astrolábio perante a medida do tempo. Pensaram que o relógio estava avariado.
O cura foi avisado – era dele a tutela do relógio que ditava a hora oficial da aldeia. Quando os operários andaram de volta do relógio, as andorinhas anteciparam a migração que por sua vez era o presságio do Outono. O relógio deixou de contrabandear o tempo e todos ficaram sossegados que ele estivesse outra vez à altura do tempo. Os operários ficaram sem diagnóstico para o mal funcionar do relógio.
Até que a Primavera seguinte aterrou no calendário, com o regresso das andorinhas. Depressa se lembraram do conforto dos ponteiros do relógio da igreja. O relógio voltou aos padecimentos. A sua mecânica não era capaz de derrotar o peso das andorinhas que se coreografavam em cima dos ponteiros. Os aldeões foram mais céleres na observação da avaria. Mas não estabeleciam causalidade entre as andorinhas altaneiras e a enfermidade do relógio. Até que alguém, mais metódico na observação, se interrogou se o descompasso do relógio não era culpa das andorinhas.
Não se falava de outro assunto. A maioria dos aldeões queria banir as andorinhas do relógio da igreja. Alguns dissidentes protestaram: não devíamos estar à mercê da ditadura do tempo – e não devemos interferir no curso da natureza. As andorinhas sabiam, melhor do que os aldeões, que a prisão do tempo era a maior doença que se abatera por aquele lugar (e pela humanidade). Suspendendo a medida do tempo, devolviam aos aldeões tempo por gastar. Era como se a aldeia fosse entronizada como um paraíso na terra: “o único lugar onde o tempo não conta”, era o mote para atrair turistas. Até que o Outono viesse repor o veio central do tempo, entristecendo os aldeões que não podiam aprisionar as andorinhas.
No meio da efervescência com a descoberta (só naquele lugar o tempo era domesticado à mercê da vontade dos homens – que se tinham em conta que ia além da sua medida), um menino disse: “agora percebo por que os dias no Verão são mais longos.”
Eram as andorinhas que, demorando o tempo, abriam a janela para os dias mais longos.
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