19.10.04

As delícias da paternidade

Ser pai é uma exuberância. Um novo fio de vida que se ergue no horizonte. Para poder contemplar a filha que nasceu e sentir que há uma nova expressão de vida que exige tanta atenção. Não é pela dependência, nem pela responsabilidade, que a condição de pai traz as suas compensações. É mais pelo turbilhão de sensações que percorrem o interior, um bem-estar inaudito que rejuvenesce, cauciona novas energias.

Mil vezes se ouvem os relatos, mil vezes a conclusão de que a consciência das sensações fantásticas exige passarmos pela experiência. Quando são outros a revelar as frutuosas sensações da paternidade, o máximo a que podemos aspirar é partilhar com eles o contentamento, a exultação que resplandece a cada palavra que se solta. Outra coisa é sentir o amplexo de sentimentos quando o filho é nosso. É aí que se compreende que a experiência só pode ser vivida quando ela chega até nós, não quando são os outros a vivê-la e relatá-la.

E, no entanto, a paternidade é um sobressalto, um recompensador sobressalto. A fragilidade da nova vida redobra as atenções. Vigilantes, os pais não deixam passar em branco o mínimo esgar de dor, o choro de desconforto, um corpo franzino que se contorce com as dores de quem se adapta a um novo ambiente. Mas sentem-se recompensados ao olharem embevecidos para a perfeição do filho que geraram, para a expressão de tranquilidade quando dorme o sono profundo. Vigilantes, envaidecem com os elogios. Sentem-se o centro do mundo – condição que é do filho que geraram, mas neles estendida como os fautores da obra-prima que conceberam.

Os dias iniciais da paternidade são de uma intensidade ímpar. Pelo que se aprende a cada segundo, pelos momentos consumidos a contemplar o filho que acabou de nascer. Pelo sono perdido no meio de cólicas que trazem a dor e um choro de aflição. Aflição comungada pelos pais, sem recursos para levar a dor até outras paragens. Uma preocupação que faz parte das dores saborosas trazidas pela paternidade. Um custo necessário incluído na recompensa incomensurável de ser pai.

Na fragilidade da vida que geraram, os pais são os depositários de um sentimento sem fim, o melhor alimento que pode saciar o filho. Uma cortina indelével que o prende à vida, numa torrente de sensações que afiançam o crescimento salutar. É um novo mundo que se trilha, como se existissem outros planetas por habitar a exigirem dos pais toda uma vida nova que se revigora com a nova vida que está ali, silenciosa, diante dos seus olhos. Um festim que bebe inspiração na cumplicidade dos pais, um cálice que se ergue pela vida transbordante que se promete no berço que acolhe o filho. Pessoas novas – é o que são os pais, inundados por um mar de felicidade que não se conta em palavras, apenas se sente a circular pelo interior.

Estes caminhos nunca dantes calcorreados trazem surpresas a cada esquina dobrada. São novas lições que se aprendem todos os dias, o fruto de um crescimento contínuo que anda de braço dado com o filho e com os pais. Um percurso conjunto em que os pais e o filho aprendem mutuamente. Constroem em conjunto um mundo novo, a sua coutada privada de felicidade. As sensações inebriantes são o motivo para uma excitação que é, no entanto, uma excitação tranquila, temperada pela tranquilidade que se desprende da nova vida no seu sono silencioso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando estou com a minha filha, muitas vezes dou comigo a pensar que é mais o que ela me dá a conhecer de mim próprio do que propriamente dela. É delicioso.
Mesmo quando nos leva ao que julgavamos ser o limite da nossa paciência. Afinal, este está mais longe do que julgavamos (mais uma coisa que aprendemos).
Partilho completamente da tua opinião.

Ponte Vasco da Gama