Não é tema inovador, este da imagem que enclausura os políticos, que faz da política uma arte subordinada aos caprichos dos consultores de imagem. É uma recorrência. Diagnóstico de uma democracia formal, agrilhoada pela ditadura da imagem. Ainda não percebi qual o sentido da relação causal: se é quem constrói a imagem da classe política que influencia os eleitores; ou se é o nivelamento por baixo de quem vota que condiciona a estratégia dos políticos, levando-os a ficar de pés e mãos atados às imposições dos consultores de imagem.
Vivemos um tempo que é o sintoma vivo de como a imagem prevalece. Basta estar com atenção aos discursos, às posturas, aos tiques, às vestes, à forma como eles aparecem e onde surgem, com quem andam emparelhados – basta estar atento a estes pormenores para ver como é a imagem que prende a atenção da classe política. É ela que tem a prioridade na conquista de votos. Os eleitores, criaturas acéfalas, presas aos pormenores do embrulho com que os políticos são apresentados. Deixando de atribuir valor às ideias, essas raridades na discussão política, oásis perdidos na voracidade da mudança que adultera o fenómeno.
O primeiro-ministro é um paradigma. O bom vivant do passado, o sempre jovial rapaz que não perdia uma festarola do pretenso jet-set, deu lugar ao circunspecto homem de Estado. Para arregimentar um capital de confiança junto dos inúmeros cidadãos que só dão atenção ao exterior, à malfadada imagem que teima em ofuscar o genuíno político. O homem que enchia capas e páginas sem conta das impensáveis revistas cor-de-rosa é agora um respeitável governante – pelo menos é a imagem vendida. O ar sempre sério ganhou terreno ao noctívago militante. O homem comum não lhe perdoaria o deslize de manter os hábitos que apenas estão ao alcance de uma reduzida casta de privilegiados – os “parasitas” que alimentam o circuito nocturno.
Os cabelos brancos são ingrediente necessário da cirurgia cosmética que traz respeitabilidade aos políticos. Santana Lopes é um bom exemplo. Enquanto presidente da câmara de Lisboa não lhe conhecia tão abundante cabeleira em tons prateados. De repente, quando se começou a perfilar a hipótese de herdar de bandeja o cargo de primeiro-ministro, a sua cabeça passou a transportar uma cabeleira onde abundam os cabelos brancos untados com uma capa de gel.
Não é caso único. Em 2001, na campanha eleitoral para as eleições autárquicas, recordo-me dos outdoors do candidato do PS à câmara do Porto. Patéticos cartazes, porque, ao que se saiba, nos implantes capilares não crescem cabelos brancos. A menos que os avanços da ciência já tenham chegado a este patamar…Esse senhor, que sofreu mais uma humilhante derrota para o seu curriculum, estocada final numa carreira repleta de ambição desmedida, ostentava na moleirinha cabelo branco que não cresceu consigo. Capachinhos e implantes mais sofisticados não se enraízam ao ponto de captar a genética dos seus proprietários. É impensável imaginar cabelos brancos a crescerem, harmoniosamente, nas partes verdadeiras e falsas dos cabelos de quem tem vergonha de desnudar a sua calvície. Com estes cartazes, o candidato expôs-se ao ridículo. Mas seria necessário estar muito atento para desmontar a incongruência. O que, a bem da verdade, não está ao alcance do eleitor médio.
O exemplo final vem do bem-falante que foi entronizado na liderança do PS. Não me vou demorar na vacuidade do discurso, no chorrilho de lugares-comuns, na epifania das citações que se atropelam com a falta de ideias consistentes desta versão requentada do engenheiro Guterres. Um só pormenor chamou a minha atenção, também ele relacionado com a pose estudada ao mais ínfimo pormenor. Durante a campanha para a liderança deste partido, Sócrates nunca envergou gravatas. Sempre blazers e camisas negligentemente desabotoadas. Para exteriorizar um ar desportivo. A imagem da “esquerda moderna”, de que os seus adversários internos o acusavam de ser a antítese. Eleito líder, já só o vemos de gravata, que se adiciona a fatos impecáveis. Aquele que se arrisca, sem esforço, a ser o próximo primeiro-ministro, mudou do dia para a noite. Não é apenas uma imagem para consumo interno, para cativar fidelidades partidárias. Impera a imagem de um homem sério, do protótipo do governante. Que precisa de envergar o tradicional fato e gravata, sob pena de não ser levado a sério pelo eleitorado tradicional.
Este é o eleitorado que decide. Não são as franjas marginais, aqueles que não se revêem nos usos estabelecidos. Esses procuram uma outra imagética, desprendida dos clichés da gravata e do fato. Por isso é que os políticos destas franjas surgem sempre com uma pose negligé. Quando se pensa que é o descuido natural, uma despreocupação com a estética, também nos bloquistas de esquerda e nos comunistas encontramos uma pose cuidadosamente preparada para ir ao encontro das preferências do eleitorado que os sustenta nas mordomias do serviço público.
São iguais entre os iguais!
1 comentário:
Este blog anda muito cáustico, sempre a criticar, criticar, criticar. Até parece que a tua vida anda vazia e que não encontras nela temas de interesse, vês-te forçado a olhar para para os outros em busca de temas para escrever.
Tenho saudades de um texto mais leve. Escreve sobre o inverno, o frio, a chuva, os cães e os gatos, quem és, de onde vens, para onde vais. Qualquer coisa que seja diferente de mais um artigo de opinião de um qualquer jornal diário.
Sugestão: escreve artigos de opinião para um jornal. Tens jeito.
Pelos caminhos de Portugal,
CP
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