Da torrente de emoções dos últimos dias, guardo mais uma recordação. De como um homem que dentro de horas será pai é remetido à condição de anonimato. Nas horas que antecedem o parto, como nos dias da convalescença passados num quarto do hospital, a mãe é sempre tratada pelo nome próprio. O pai, relegado para plano secundário, não tem direito ao mesmo privilégio. Das enfermeiras ao pessoal auxiliar, dos médicos que foram passando pelo quarto até às pessoas que estavam no bloco operatório, todos me tratavam como “o pai”. Quando conhecia pessoas novas, era apresentado como “o pai”. Por momentos perdi o nome próprio e ganhei uma nova condição. Perguntei-me se "pai" não seria o meu nome próprio...
Está certo, é a mãe que passa pelas dores do parto. São elas que mais sacrifícios suportam para que o bebé nasça. Estando o pai ausente das dores físicas do parto, é injusto relegá-lo para uma posição secundária – a que corresponde a esquecer o seu nome. Porque o pai foi parte activa na concepção do nascituro. E porque o pai também está mergulhado numa pressão psicológica, ansioso que o parto corra bem e que o seu filho veja a luz do dia em segurança e com perfeição. Quem gerou o filho foi uma dupla. Se os caprichos da natureza determinam que seja a mãe a suportar o maior sofrimento nos momentos que antecedem a vinda da criança ao mundo, isso não pode ser razão para esquecer a importância do pai.
Depois fala-se em sexismo, na tenebrosa desigualdade de sexos que tem penalizado a mulher em favor do homem ao longo da história da humanidade. Não contesto a razão deste discurso sexista, sobretudo quando ele foca as desigualdades gritantes que se sucederam no passado. Quanto mais distante o passado, maiores essas desigualdades. Manter o discurso sexista nos tempos que correm parece-me despropositado. Caminhamos para a inversão dos papéis: para catapultar a mulher para o protagonismo que merece, lançam-se as sementes da discriminação positiva. Que, como a expressão o revela, não passa de uma discriminação. Associar um adjectivo qualificativo com uma conotação agradável (positivo) não chega para atenuar a discriminação que existe em todo o caso.
Com a subalternização do papel do pai, estamos no terreno da retórica sexista que tenta sobrevalorizar o papel da mulher como compensação dos erros dos nossos antepassados. Como se os homens de hoje tivessem que ser responsabilizados pelos desmandos das gerações anteriores, como se essa factura fosse o preço de uma justiça inadiável.
Insisto: não vale a pena reequilibrar os papéis de ambos os sexos quando uma criança nasce. A natureza já se encarregou da distribuição de papéis. Subvertê-la é negar o papel mediador da natureza. É nesta óptica que inscrevo o costume da mãe ter o privilégio de escutar o seu nome, enquanto o pai se contenta em saber que é “o pai”. Quase como se do nascimento do filho resultasse uma re-identificação do pai, que ele deixasse de se chamar Manuel, Joaquim ou Miguel, para passar a ser mais um de uma imensa massa anónima de “pais”, apenas “pais”.
No meio da excitação não dei importância na altura. Mais relevante do que o tratamento que me deram – se me chamaram “pai”, Paulo ou outro nome qualquer – era saber se o parto ia correr bem, se a filha estava a suportar bem os primeiros dias de vida após o nascimento. Só com alguma distância de tempo é que isto assoma à memória. Só então, quando as recordações são atiradas para a superfície desde o baú da memória, é que há alguma estranheza por nenhuma das pessoas que passaram por mim durante os três dias de estadia no hospital alguma vez ter pronunciado o meu nome.
Este ciúme atípico – porque salutar – leva-me a pensar se da próxima vez não será melhor trazer à lapela um dístico onde, em letras bem visíveis, surge a palavra “Paulo”. E, se necessário for, um outro dístico na cabeça para chamar a atenção das pessoas: “tratem-me pelo meu nome”, com uma seta a indicar a lapela onde surge o dístico com o nome.
7 comentários:
Não vejo as coisas nesse prisma, se reparares, até tu acabas por te auto-tratar por pai. Aqui vão as fotos do Pai babado, não deveria ser do Paulo babado?
Não vejo a questão como uma "despersonalização" mas sim como que um elogio, do género, ele não só é Paulo como também é O PAI (com letras grandes note-se)! Não será? ;)
Camélia
Concordo plenamente com a Camélia.
E até reconheço, pela experiência que vivi, um certo orgulho quando ouvia alguém dirigir-se a mim como "pai". Era a primeira vez que me chamavam pai.
Ponte Vasco Gama
Camélia:
Tens razão, porque tu sabes que o nome do PAI é Paulo. Já não penso como tu quando as pessoas que me trataram como pai não sabem que me chamo Paulo.
Paulo Vila Maior
Também concordo contigo, mas nesses casos parece-me que é a forma mais simpática que as pessoas arranjam de tratar o recém Pai, não será? Como não sabem o nome, tratam por Pai porque aí têm a certeza de que o Pai vai gostar .... ou melhor, têm essa certeza se não leram ainda o teu blog de hoje, senão deixam de a ter eh eh.
Camélia
Camélia e Ponte Vasco da Gama:
Ambos têm razão. Que não fique a imagem que me sinto desconfortável na condição de pai. Antes pelo contrário: nunca me senti tão inteiro!
Sinto orgulho quando me olham e tentam perceber se estou muito embevecido. Olham-me como "o pai", o que me faz sentir bem. Mas quando, ao fim de vários dias, ouvia sempre "o pai" e "a D. Paula", surgiu a interrogação: porquê esta discriminação?
Se quiserem podem ver isto por outro prisma: tratou-se de encontrar um pretexto para hoje escrever alguma coisa...
Está explicadíssimo!
Também, depois do nascimento de um filho que outro tema haveria de ser tratado???
Camélia
Comentário tardio, mas com boa intenção:
Se te faz sentir melhor, a partir de agora, sempre que a "D.Paula" se deslocar ao Centro de Saúde para dar as vacinas à Leonor, ela vai ser "a mãe".
Vai ouvir frases como: "Ó mãe, vire a cara para o lado que isto não é bonito de ver" ou então "Ó mãe, segure aqui para ela não espernear!"
Mais cedo ou mais tarde, todos somos despersonalizados!
Pelos caminhos de Portugal,
CP
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