Há sonhos bizarros. Às vezes sonho que saio de casa e que me esqueci de vestir roupa. E só dou conta que passeio nu quando reparo que os outros olham para mim com um misto de surpresa, perplexidade e troça. Sentindo-me o alvo de todos os olhares, ao início não consigo perceber o motivo. Só passados longos minutos de caminhada acabo por descer à terra. É nessa altura que sou acometido por uma terrível aflição: estar nu na rua, longe de casa, sem nada poder fazer para remediar a vergonha que se abate. Regressar significa palmilhar o mesmo caminho, cruzar com outras tantas pessoas, ser motivo de chacota de tantos quantos zurzissem com desdém.
Nestes sonhos, tento apanhar um táxi que me leve de regresso a casa sem ter que passar pela vergonha redobrada de expor a nudez aos outros a não ser ao taxista. Vergonha acentuada porque na viagem de ida não tinha dado conta da bizarra condição em que me tinha metido. É fácil expor qualquer fraqueza aos olhos dos outros quando não damos conta de que o estamos a fazer. Outra é a conversa quando somos empurrados à demonstração pública das nossas debilidades.
Por norma, acordo quando o impasse se instala. Quando nenhum taxista corresponde ao meu chamamento, o que me força a um percurso errante por vielas sombrias, tentando fugir de seres humanos que decerto iriam escarnecer da patetice. Deambulo como se fosse um animal vadio, numa fuga dos seres humanos que o perseguem e causam sofrimento. É uma nudez embaraçosa, que teria o condão de esconder de mim mesmo se me pudesse volatilizar no espaço. Mas não o consigo. A agitação termina quando o sono se desperta numa convulsão aflitiva. Afinal não passava de um sonho. Posso acordar descansado que a troça não era real.
Gostava de ter conhecimentos para perceber se os sonhos que visitam com assiduidade têm algum simbolismo particular. Será que tenho vergonha do meu corpo? Ou será que aflige um acontecimento que faça de mim o motivo de troça pública? Indo por esta vereda, está aqui a explicação para o recato, para a fobia de multidões, para o refúgio no anonimato, a fuga ao reconhecimento público? Mas não será a minha vida, na prática, a rejeição do enunciado da última pergunta?
Por vezes os sonhos retratam uma aproximação a situações vividas. Não sei se esta tendência onírica é a ilustração de algo que se passou em tempos – até porque as coisas foram bem diferentes da imagem reproduzida pelos sonhos, e não consigo recordar se este episódio precedeu a sucessão de sonhos descritos, ou se eles já vêm de momento anterior. Tudo se passou há dez anos, num dos primeiros anos de docência. Concentrado na exposição da matéria, reparei que os alunos sentados nas duas primeiras filas cochichavam entre si, segredavam sorrisos indiscretos que se perdiam pelo canto da boca. À medida que ia andando de um lado para o outro da sala, comecei a ficar inquieto com a ligeira turbulência que se tinha instalado na sala.
Ao fim de algum tempo percebi que uns quantos alunos (mais as do sexo feminino…) percorriam com a vista as minhas digressões entre as extremidades da sala. Fixavam a vista num qualquer ponto localizado algures à volta da cintura. Fiquei intrigado. O que seria que prendia tanta atenção? Mal lancei esta interrogação e fiz meia volta, encaminhei-me em direcção da janela que dá para o exterior. Era fim de tarde, de um Outono já tardio. A penumbra tinha-se abatido sobre a cidade. As luzes da sala permitiam o reflexo da minha imagem no vidro da janela, que funcionava como espelho. Foi então que percebi a razão de tanta algazarra contida: a braguilha das calças estava aberta, deixando à um pouco à espreita…dos coloridos boxers!
Desconheço se há relação de causa e efeito entre este episódio e os sonhos de nudez que me assaltam de vez em quando. Não me parece que haja razão para tal relação causal: são situações diferentes, e o episódio passado na universidade não me traumatizou – longe disso. Quando vi a situação em que a derradeira ida à casa de banho me tinha colocado, fiz de conta que não tinha dado conta. Em vez de fechar discretamente a braguilha, deixei-me estar até ao final da aula. Então pus-me a recordar a cara de divertimento dos alunos e também me diverti com a distracção que tinha sido pretexto para uma aula diferente.
Seria pior se, à saída da casa de banho, algo sem ser roupa ficasse dependurado na braguilha entreaberta. Aí sim, a chacota seria total e passaria para o anedotário local. Aí sim, talvez encontrasse explicação para os sonhos bizarros que me assaltam o sono.
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