12.10.04

De um anúncio na TAP: “Europa-Lisboa, 234 euros”

Quem aterra no aeroporto de Lisboa, sai do avião, percorre os corredores sempre labirínticos dos aeroportos e se encaminha para a saída, depara com uma surpresa. Publicidade da TAP sobre uma tarifa promocional: Europa-Lisboa vale 234 euros. A leitura correcta obriga a compreender que se trata de viagens entre um qualquer destino situado na Europa e a capital portuguesa. Mas a quem chega do estrangeiro e se refresca com os saudosos ares nacionais ao pisar o solo pátrio, não deixa de causar alguma estranheza esta publicidade que entra pelos olhos.

Aos cépticos (cá estou eu…), aos que não conseguem evitar a tendência para desdenhar das características lusitanas, a TAP presta um serviço inestimável. Alguma vez teria de acontecer – isto da transportadora aérea nacional alguma vez ser útil. A publicidade (que o contribuinte também é chamado a suportar) serve para lembrar a quem chega do estrangeiro que é o momento de pousar os pés no chão. A civilização é o local de onde acabamos de chegar, não o sítio onde acabamos de aterrar.

Quando se informa que qualquer destino entre a Europa e Lisboa custa x euros, leva-se, de forma subliminar, uma mensagem ao destinatário: Lisboa não é Europa. Deve estar algures a meio caminho entre a Europa da civilização avançada e a África representativa do atraso. Seremos um elo de ligação entre as duas realidades. O que não é abonatório do orgulho nacional. Se tanto queremos apanhar o comboio do desenvolvimento europeu, se é nosso desejo ardente não ficar para trás neste pelotão que rola em velocidade de cruzeiro, dizer que a Europa é lá fora e que Lisboa é diferente da Europa é um golpe de misericórdia.

Para os que acham que a TAP i) já devia ter sido liquidada, ii) ou apenas privatizada, a campanha publicitária é infeliz, um lamentável erro. A companhia aérea nacional, que teima em ostentar orgulhosamente as cores da bandeira nacional (como se ainda fizesse sentido insistir em companhias de bandeira, num tempo em que a transnacionalidade ganha mais força, por ser um produto da sociedade multicultural em que vivemos), dá mais um exemplo de como gastar mal os recursos que o erário público coloca à sua disposição. Os publicitários contratados não trataram com cuidado a mensagem do anúncio. Ninguém, entre os responsáveis da companhia, conseguiu detectar como a mensagem publicitária pode ser enganosa. Até porque mesmo os estrangeiros que desembarcam no aeroporto da Portela conseguem decifrar a mensagem. Não será difícil, ela está compactada em poucas palavras que não exigem um conhecimento, nem que superficial, da língua de Camões. Imagino-os a esboçarem um sorriso cáustico, ao saberem que vieram da Europa e acabam de chegar a um qualquer sítio que não sendo África também não será bem europeu…

Fico perplexo com a imagem saloia que se solta da cabeça destes publicitários. Ela exibe um preconceito regionalista que acaba por ter ramificações internacionais. Passo a explicar. Como já tive oportunidade de referir no passado, acho lastimável qualquer manifestação de regionalismo bacoco para consumo doméstico. As exibições imberbes dos “nortistas” (não confundir com os nortenhos) são lamentáveis, quando destilam todo o seu ódio contra a centralidade lisboeta. Como o são as dos alfacinhas que apenas olham para o seu umbigo e desprezam com sobranceria os que residem a norte. Merecem-se uns aos outros. São filhos pródigos de um país que é pequeno e que com estas exibições parolas não se dá conta como fica ainda mais pequenino, mesquinho.

Serão estas pessoas pequeninas, entretidas com rivalidades regionais espúrias, que alimentam a posição de inferioridade em que colocam o país que os viu nascer. Serão eles que “ensanduicham” Portugal entre a menoridade europeia (somos a cauda – geográfica e económica – da Europa) e os atritos regionais. Quando se diz “Europa-Lisboa”, colocamo-nos na posição de olhar com embevecimento para a Europa que ainda estamos longe de ser. E são eles que, ao voarem sobre a realidade nacional, se entretêm com as divergências regionais que apenas têm o condão de consumir energias que podiam ser aproveitadas para finalidades mais úteis. Como seja, para colocar o seu país na Europa onde parece pertencer apenas por arte da geografia.

Nada que seja novidade: estamos habituados a ser os coveiros do nosso próprio fado.

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