A Casa da Música
Custou, mas foi. Depois de tanta expectativa, a obra-prima descobre-se aos olhos de quem a pagou com o sacrifício dos seus impostos (descontando a parte - quase metade - que veio dos fundos europeus). A obra vem apenas com quatro anos de atraso. A bem da verdade, dir-se-ia que o evento Porto 2001 é que foi extemporâneo: apareceu com quatro anos de antecedência
Também o descarrilamento orçamental é coisa de somenos importância. Por a obra ser tão majestosa, perdoa-se que os custos finais quase tenham triplicado. Nada a que não estejamos habituados. É o dinheiro de todos nós, da imensa mole anónima que paga impostos desbaratados por políticos incompetentes e irresponsáveis. É um pormenor sem importância: porque continuamos a depositar a confiança nesta gente que, obra após obra, revela perícia em exaurir o erário público. Não temos legitimidade para protestar, porque os legitimamos no poder.
Não são as sinuosidades do processo político que me interessam. Apenas opinar sobre a Casa da Música, descendo ao estatuto de leigo arquitectónico. Durante anos a fio, a obra estava escondida e a coisa tardava em revelar-se. Os tapumes encobriam o buraco a céu aberto, eram a cortina de fumo para os sucessivos atrasos que iam adiando o nascimento de uma coisa que já tinha entrado para os anais dos elefantes brancos das obras públicas. A única mira eram as maquetas do projecto. Agora que a obra vê a luz do dia, já é possível discernir o seu impacto real.
Confesso que a apreciação da Casa da Música está à partida enviesada. Admito um preconceito que me influencia o juízo: as obras faraónicas são dispêndios inúteis, mais quando se lamenta as lacunas sociais que nos distanciam da média europeia. Longe dos parceiros europeus, em áreas essenciais às camadas mais desfavorecidas, mas não hesitamos em caucionar obras megalómanas que apenas enchem a vista de uns poucos, sem utilidade para os mais pobres. É um tema que dá pano para mangas: a obrigação do Estado subsidiar generosamente a cultura, quando afinal a cultura apenas aproveita a uma reduzida elite que está a léguas dos estratos sociais carenciados.
Não gosto da Casa da Música. Seria adequado chamar-lhe caixote da música, tal a obtusidade das formas, a desproporcionalidade do objecto que contrasta com a harmonia da zona. Ao observar a Casa da Música, vejo um corpo estranho que rompe essa harmonia. Concedo que possa ser a falta de habituação a um corpo que, para todos os efeitos, é um corpo estranho. Os olhos não estão habituados a vê-lo num local que sempre preencheu o imaginário, como local de referência da cidade. Admito que daqui a umas décadas, mais para as gerações que hão-de vir, a harmonia a que me refiro irá contemplar a Casa da Música.
Não é apenas a desproporção da Casa da Música, que com o seu gigantismo ofusca o equilíbrio da Rotunda da Boavista (o que é visível sobretudo para quem vem da avenida para a rotunda, mas também para quem espreita do lado contrário, entre as árvores que preenchem a rotunda). São as formas agrestes, as arestas que se quebram em cascatas abruptas, as linhas desconchavadas que sublinham um edifício desequilibrado. Ainda bem que o projectista teve o discernimento de incorporar avantajadas vidraças que entrecortam as paredes de betão. Contrabalançam a frieza de um cubículo disforme, impedindo que as arestas que adejam os vértices sejam uma ferida aberta aos olhos de quem por ali passa.
A corporação da cultura há aplaudir com entusiasmo a Casa da Música. Interessa mais o marco que ela representa do que os desvios arquitectónicos semeados num local emblemático da cidade. Já vamos estando acostumados: o cubo na Ribeira, o inenarrável edifício transparente que separa a frente marítima do parque da cidade e, descendo até a Lisboa, essa obra que tece loas ao cavaquistão - o Centro Cultural de Belém -, uma intromissão abusiva entre a Torre de Belém e o Convento dos Jerónimos. Sinal de que há quem queria deixar a marca da sua gesta antes do tempo, como se fossem visionários para além do juízo dos seus pares, também eles mortais.
Também o descarrilamento orçamental é coisa de somenos importância. Por a obra ser tão majestosa, perdoa-se que os custos finais quase tenham triplicado. Nada a que não estejamos habituados. É o dinheiro de todos nós, da imensa mole anónima que paga impostos desbaratados por políticos incompetentes e irresponsáveis. É um pormenor sem importância: porque continuamos a depositar a confiança nesta gente que, obra após obra, revela perícia em exaurir o erário público. Não temos legitimidade para protestar, porque os legitimamos no poder.
Não são as sinuosidades do processo político que me interessam. Apenas opinar sobre a Casa da Música, descendo ao estatuto de leigo arquitectónico. Durante anos a fio, a obra estava escondida e a coisa tardava em revelar-se. Os tapumes encobriam o buraco a céu aberto, eram a cortina de fumo para os sucessivos atrasos que iam adiando o nascimento de uma coisa que já tinha entrado para os anais dos elefantes brancos das obras públicas. A única mira eram as maquetas do projecto. Agora que a obra vê a luz do dia, já é possível discernir o seu impacto real.
Confesso que a apreciação da Casa da Música está à partida enviesada. Admito um preconceito que me influencia o juízo: as obras faraónicas são dispêndios inúteis, mais quando se lamenta as lacunas sociais que nos distanciam da média europeia. Longe dos parceiros europeus, em áreas essenciais às camadas mais desfavorecidas, mas não hesitamos em caucionar obras megalómanas que apenas enchem a vista de uns poucos, sem utilidade para os mais pobres. É um tema que dá pano para mangas: a obrigação do Estado subsidiar generosamente a cultura, quando afinal a cultura apenas aproveita a uma reduzida elite que está a léguas dos estratos sociais carenciados.
Não gosto da Casa da Música. Seria adequado chamar-lhe caixote da música, tal a obtusidade das formas, a desproporcionalidade do objecto que contrasta com a harmonia da zona. Ao observar a Casa da Música, vejo um corpo estranho que rompe essa harmonia. Concedo que possa ser a falta de habituação a um corpo que, para todos os efeitos, é um corpo estranho. Os olhos não estão habituados a vê-lo num local que sempre preencheu o imaginário, como local de referência da cidade. Admito que daqui a umas décadas, mais para as gerações que hão-de vir, a harmonia a que me refiro irá contemplar a Casa da Música.
Não é apenas a desproporção da Casa da Música, que com o seu gigantismo ofusca o equilíbrio da Rotunda da Boavista (o que é visível sobretudo para quem vem da avenida para a rotunda, mas também para quem espreita do lado contrário, entre as árvores que preenchem a rotunda). São as formas agrestes, as arestas que se quebram em cascatas abruptas, as linhas desconchavadas que sublinham um edifício desequilibrado. Ainda bem que o projectista teve o discernimento de incorporar avantajadas vidraças que entrecortam as paredes de betão. Contrabalançam a frieza de um cubículo disforme, impedindo que as arestas que adejam os vértices sejam uma ferida aberta aos olhos de quem por ali passa.
A corporação da cultura há aplaudir com entusiasmo a Casa da Música. Interessa mais o marco que ela representa do que os desvios arquitectónicos semeados num local emblemático da cidade. Já vamos estando acostumados: o cubo na Ribeira, o inenarrável edifício transparente que separa a frente marítima do parque da cidade e, descendo até a Lisboa, essa obra que tece loas ao cavaquistão - o Centro Cultural de Belém -, uma intromissão abusiva entre a Torre de Belém e o Convento dos Jerónimos. Sinal de que há quem queria deixar a marca da sua gesta antes do tempo, como se fossem visionários para além do juízo dos seus pares, também eles mortais.
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