7.3.05

Futebol e política: mais paralelismos

Já temos governo indigitado. O que deu mais brado foi a colocação de Freitas do Amaral no ministério dos negócios estrangeiros. Esta metamorfose política tem motivado manifestações de repúdio entre a direita. Esta direita esquece-se que nada disse em relação a outras personagens que fizeram trajectos inversos, da esquerda para a direita (José Barroso, Pacheco Pereira, Zita Seabra). A indignação tem falado alto. Verbera-se o trajecto de Freitas do Amaral, como se estivesse vedado o direito de mudar de posição ao longo da vida. Tudo isto soa a manobras tácticas, plenas de oportunismo, engendradas por Freitas do Amaral? Sim. Porém perde-se a razão quando se aponta o dedo a Freitas do Amaral pela sua deriva esquerdista. É tão legítimo o desvio da esquerda para a direita, como o é o percurso inverso.

No meio do desnorte, o CDS-PP cavou mais fundo a sua cova. Anunciaram que vão retirar o retrato de Freitas do Amaral da sede do partido, remetendo-o à sede do PS. A isto chama-se mau perder. É uma criancice, ao jeito dos meninos birrentos sempre a fazer beicinho quando as coisas não lhes correm a preceito. Mau augúrio para um partido que tem o capital positivo de ter lutado contra as derivas totalitaristas dos comunistas após o 25 de Abril. Para um partido que sempre denunciou as purgas branqueadas pelo PCP, esta manobra de lavagem do passado tresanda ao mais hediondo estalinismo. O passado, goste-se ou não, está feito e bem marcado na memória do tempo. Renegá-lo, ou manobrá-lo, é digno de quem não é tolerante consigo mesmo – quanto mais com os demais.

O súbito protagonismo de Freitas do Amaral fertiliza mais afinidades entre o futebol e a política. Uma espécie de futebolização da política. Não é verdade que os profissionais da bola mudam de camisola de ano para ano? Não é verdade que, com o advento do profissionalismo, se diluiu o “amor à camisola”, o fervor clubista que associa os jogadores a um certo emblema? Porque não aceitar o mesmo princípio na política? Aqui há obrigações de decoro que impedem a oscilação de partido em partido. Quem anda a saltar de partido em partido perde credibilidade junto do eleitorado. Não se percebe porquê. Os partidos deviam ser espaços abertos à metamorfose pessoal. Devia existir um mercado aberto às transferências de políticos entre diferentes partidos. O risco é óbvio: uma aura de oportunismo barato andaria de braço dado com os políticos mais saltimbancos. No fundo, vinha ao encontro da perda de âncoras ideológicas que hoje caracteriza os partidos. Seriam partidos de pessoas, em vez de partidos acobertados em ideologias que não praticam.

Ao tecer este paralelismo entre futebol e política há outra ideia que se perfila: a transnacionalidade dos cargos políticos. Por coincidência, na edição de ontem do Diário de Notícias, Vicente Jorge Silva e Miguel Esteves Cardoso (em separado) comparavam Sócrates a Mourinho. Ora Mourinho, o paradigma do sucesso, o grande orgulho pátrio pelas conquistas além fronteiras, está na senda do sucesso fora de Portugal. Como alguns estrangeiros – treinadores e jogadores – têm vencido no futebol português. Para gáudio dos adeptos das equipas que erguem os troféus. Pouco importa se as vitórias são conseguidas com onze nacionais, com onze estrangeiros, ou com um misto de nativos e estrangeiros. O que conta é arrecadar a vitória, desfeitear os adversários. Foram hábitos que se enraizaram nos adeptos da bola. Se isso contribuía para ser mais forte do que os adversários, era recebido de braços abertos.

Porque não estender este princípio à política? Porque não abrir o mercado político – partidário e do exercício de cargos de responsabilidade – a estrangeiros? Havendo a garantia de que o resultado final – o exercício da governação – se traduzia em acrescida qualidade, qual o problema em ter um primeiro-ministro de outro país? A ideia pode soar a bizarro. Mas o paradoxal é conviver com ela no mundo do futebol, que diz muito mais do que a política a tanta gente, e depois ver essas mesmas pessoas incomodadas em exportar a ideia para o plano da política.

Há um precedente com bons resultados: a TAP. Rompendo com hábitos instalados, há anos foi nomeada uma administração presidida por Fernando Pinto, um brasileiro de gema (que trouxe consigo uma equipa de brasileiros). Depois de anos a fio a dar prejuízos abundantes, a TAP conseguiu apresentar lucros pelo segundo ano seguido. Dizem os entendidos que é o resultado da gestão da equipa de brasileiros. Quem sabe se não será o começo para mais pessoas de outras nacionalidades virem gerir os nossos destinos, velando pelo nosso bem-estar? Quem sabe se esse seria o caminho para baixar os índices de abstenção, cativando a atenção dos eleitores através do incremento qualitativo dos candidatos?

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