16.3.05

O voto mais universal: o direito de voto das crianças através dos pais?

Lisboa, congresso internacional sobre os direitos das crianças. Para relembrar que as crianças são preteridas na definição das políticas públicas. Elas apenas são lembradas quando se comemora o respectivo dia internacional. Para além da efeméride, que parece aquietar as consciências dos adultos ao menos uma vez no ano, as crianças são notícia pelas piores razões: os maus-tratos, a violência física e psíquica que sobre elas se comete, a violência surda vinda dos brilhantes “pedagogos” que não hesitam em fazer das crianças as cobaias de experiências educativas de alcance duvidoso.

Ainda que se dê a mão à palmatória, anuindo que as crianças contam pouco na definição das políticas públicas, um aspecto mais importante compensa esse fenómeno: cada criança está protegida pela sua família (excluem-se os casos mais sensíveis, onde nem sequer a envolvente familiar consegue garantir essa protecção à criança). Como pais temos à nossa disposição escolhas que acautelam a melhor protecção dos nossos filhos. Dois exemplos: podemos suspeitar da qualidade do ensino das escolas públicas, enveredando pelo ensino particular; podemos não dar crédito ao sistema nacional de saúde, e contratamos um seguro de saúde que recolha a nossa confiança.

Podia enumerar exemplos até à exaustão. Para não me alongar, apenas mais um caso onde os interesses das crianças são acautelados pela família e não pelo Estado: as actividades extra-curriculares, como complemento da sua formação como pessoas. Eu posso decidir inscrever a minha filha em aulas de piano, ou de ballet, ou filiá-la nos escuteiros. São sempre opções pessoais, nas quais deve primar a não interferência dos políticos. Dito isto, não vejo razões para que se dramatize o discurso da desprotecção das crianças. Porque os maiores interessados em que as crianças tenham um crescimento sadio, amparado, são os pais e restante família. Este é um domínio onde a substituição da família pelo Estado seria lesiva dos interesses das crianças.

Tudo isto a propósito de uma ideia veiculada por um dos especialistas que discursou no congresso. Esse especialista – creio que sueco – interrogou-se: porque não conferir o direito de voto às crianças? Convidado a elaborar sobre a proposta, o expert concedeu que não seria viável prever um direito de voto imediato e directo. As crianças votariam através dos seus pais. Na sua opinião, esta seria a solução para captar a atenção dos governantes acerca da importância das crianças na formulação das políticas públicas.

Esta proposta representa um abalo telúrico nas ideias preconcebidas que norteiam a nossa conduta. Ela sugere alguns comentários. Primeiro, é duvidoso que este seja o caminho adequado para captar a atenção dos candidatos e dos governantes para os interesses das crianças. Quando muito, seria mais um elemento a levar em consideração, ampliando o leque de critérios que guiam a acção política. Mas um critério sem grande peso relativo.

Segundo, a proposta esconde dificuldades operacionais. Quem teria o direito de voto: o pai ou a mãe? Este dilema seria visível nos casos de agregados compostos por um só filho – e mais ainda em progenitores com diferentes escolhas partidárias. E o que dizer no caso de famílias separadas pelo divórcio: quem exerce o direito de voto neste caso? A ideia tem cambiantes que trazem suspeitas sobre a sua justiça: imagine-se o caso de um jovem de dezasseis anos, com os olhos bem abertos para o que se passa no mundo, e que sabe que um dos seus progenitores vota por ele de uma forma diferente daquela que seria a sua opção.

Terceiro comentário: aceita-se que seja necessário definir limiares de idade para conferir o direito de voto. Mas estes limites escondem grande subjectividade. Quem não conhece adultos a quem falta maturidade suficiente para exercer o direito de voto? E, do lado contrário, há menores de dezoito anos com maturidade suficiente para exercer o direito de voto.

Em quarto lugar, adivinho outra consequência perversa: militantes dos partidos mentalizados para aumentarem a descendência, pois cada filho contabiliza mais um voto nas respectivas fileiras. Seria bom para combater a crise de natalidade que traz tantas preocupações demográficas; e esta proposta seria homofóbica, ao marginalizar quem não tem a possibilidade natural de procriar. Eis como uma proposta vanguardista estaria condenada ao fracasso pela rota de colisão com outros interesses vanguardistas – os que defendem os direitos dos homossexuais.

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