Lisboa, congresso internacional sobre os direitos das crianças. Para relembrar que as crianças são preteridas na definição das políticas públicas. Elas apenas são lembradas quando se comemora o respectivo dia internacional. Para além da efeméride, que parece aquietar as consciências dos adultos ao menos uma vez no ano, as crianças são notícia pelas piores razões: os maus-tratos, a violência física e psíquica que sobre elas se comete, a violência surda vinda dos brilhantes “pedagogos” que não hesitam em fazer das crianças as cobaias de experiências educativas de alcance duvidoso.
Ainda que se dê a mão à palmatória, anuindo que as crianças contam pouco na definição das políticas públicas, um aspecto mais importante compensa esse fenómeno: cada criança está protegida pela sua família (excluem-se os casos mais sensíveis, onde nem sequer a envolvente familiar consegue garantir essa protecção à criança). Como pais temos à nossa disposição escolhas que acautelam a melhor protecção dos nossos filhos. Dois exemplos: podemos suspeitar da qualidade do ensino das escolas públicas, enveredando pelo ensino particular; podemos não dar crédito ao sistema nacional de saúde, e contratamos um seguro de saúde que recolha a nossa confiança.
Podia enumerar exemplos até à exaustão. Para não me alongar, apenas mais um caso onde os interesses das crianças são acautelados pela família e não pelo Estado: as actividades extra-curriculares, como complemento da sua formação como pessoas. Eu posso decidir inscrever a minha filha em aulas de piano, ou de ballet, ou filiá-la nos escuteiros. São sempre opções pessoais, nas quais deve primar a não interferência dos políticos. Dito isto, não vejo razões para que se dramatize o discurso da desprotecção das crianças. Porque os maiores interessados em que as crianças tenham um crescimento sadio, amparado, são os pais e restante família. Este é um domínio onde a substituição da família pelo Estado seria lesiva dos interesses das crianças.
Tudo isto a propósito de uma ideia veiculada por um dos especialistas que discursou no congresso. Esse especialista – creio que sueco – interrogou-se: porque não conferir o direito de voto às crianças? Convidado a elaborar sobre a proposta, o expert concedeu que não seria viável prever um direito de voto imediato e directo. As crianças votariam através dos seus pais. Na sua opinião, esta seria a solução para captar a atenção dos governantes acerca da importância das crianças na formulação das políticas públicas.
Esta proposta representa um abalo telúrico nas ideias preconcebidas que norteiam a nossa conduta. Ela sugere alguns comentários. Primeiro, é duvidoso que este seja o caminho adequado para captar a atenção dos candidatos e dos governantes para os interesses das crianças. Quando muito, seria mais um elemento a levar em consideração, ampliando o leque de critérios que guiam a acção política. Mas um critério sem grande peso relativo.
Segundo, a proposta esconde dificuldades operacionais. Quem teria o direito de voto: o pai ou a mãe? Este dilema seria visível nos casos de agregados compostos por um só filho – e mais ainda em progenitores com diferentes escolhas partidárias. E o que dizer no caso de famílias separadas pelo divórcio: quem exerce o direito de voto neste caso? A ideia tem cambiantes que trazem suspeitas sobre a sua justiça: imagine-se o caso de um jovem de dezasseis anos, com os olhos bem abertos para o que se passa no mundo, e que sabe que um dos seus progenitores vota por ele de uma forma diferente daquela que seria a sua opção.
Terceiro comentário: aceita-se que seja necessário definir limiares de idade para conferir o direito de voto. Mas estes limites escondem grande subjectividade. Quem não conhece adultos a quem falta maturidade suficiente para exercer o direito de voto? E, do lado contrário, há menores de dezoito anos com maturidade suficiente para exercer o direito de voto.
Em quarto lugar, adivinho outra consequência perversa: militantes dos partidos mentalizados para aumentarem a descendência, pois cada filho contabiliza mais um voto nas respectivas fileiras. Seria bom para combater a crise de natalidade que traz tantas preocupações demográficas; e esta proposta seria homofóbica, ao marginalizar quem não tem a possibilidade natural de procriar. Eis como uma proposta vanguardista estaria condenada ao fracasso pela rota de colisão com outros interesses vanguardistas – os que defendem os direitos dos homossexuais.
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