Já há mais de quinze anos que não tinha a desagradável visita da febre. A distância temporal fez redescobrir as sensações, num “déja vu” perdido no tempo remoto. Sensações estranhas, quando a febre se apodera do corpo e da mente. Na subida vertiginosa do mercúrio, as coisas perdem a sua nitidez. Já não basta o corpo ser tomado de assalto por uma preguiça indomável, o pior chega com as horas de sono – que se estendem por horas intermináveis e entediantes.
As tremuras febris parecem coalhar a perspicácia dos sentidos. Sobretudo no sono, tais as imagens extravagantes que desfilam no limiar do subconsciente. Esta noite sonhei que fazia de cicerone turístico junto da minha família, dando a conhecer o Funchal ao pormenor. Tive este sonho uma vez, acordei, voltei a mergulhar nas ondas do sono e a deixar-me invadir pelas sensações oníricas que fizeram de mim um profundo conhecedor do Funchal. No roteiro andado pela cidade, até as explicações históricas eram dadas com abundância de detalhe. São as armadilhas da diatribe febril. Para quem nunca foi ao Funchal, ter um sonho deste calibre é um mistério insondável.
Os delírios da febre trouxeram outros sonhos bizarros. Sonhei que pela primeira vez os concidadãos lusos puderam ver um primeiro-ministro trajando calções, no final de uma “extenuante” corrida de três ou quatro quilómetros, que tem servido para apresentar a escondida faceta de desportista de certos actores políticos – ao menos uma vez por ano. Sonhei que, ao cabo dos cansativos quilómetros de uma corrida que oscilou entre a passada lenta e muito lenta, o recém-empossado primeiro-ministro, lavado em suor – ou seria operação de cosmética para provar o esforço gasto? – soltou as idiossincráticas afirmações banais. Será que os assessores que lhe construíram a imagem não tiveram tempo de mudar o chip, chamando-o a atenção de que a campanha eleitoral já ficou para trás?
Sonhei que o país cor-de-rosa (politicamente falando) saiu às ruas de Lisboa para mostrar a verve desportista. Não foi só o homem do momento, com nome de filósofo. Foi o “mais alto magistrado da nação”, que a passo de caracol lá fez, a custo, a sua corrida anual, demorando uma eternidade para percorrer o curto trajecto do percurso. E um dos putativos candidatos rosa à câmara municipal de Lisboa, emérito professor de filosofia, que, sabe-se lá como, encontrou a chave do coração de uma das “beldades” oficiais da nação. Este terá chegado à meta antes do chefe. Perante as câmaras da televisão, à cata destes néons de deslumbramento rosa, confessou arrependimento por ter rompido a hierarquia. Era a imagem da frescura física, ostentando uns óculos escuros que encobriam a vista não se sabe bem que de luminosidade solar, ele que estava numa tenda a coberto do sol assassino para a vista. Com a bênção do patriarca partidário – um coelho – os sonhos bizarros não paravam de acossar o sono.
Para compor o ramalhete, à primeira-dama estava destinado o brilharete final neste encantador rosário. Como chegou à meta antes do marido, foi abordada pelos jornalistas, tão empenhados em fazer o boneco com o “socialite” político da mini-maratona. A dona Ritta encontrou a explicação, numa tirada humorística só comparável ao refinado humor do grande humorista Vitorino. Disse que o presidente é um cavalheiro à boa maneira inglesa. Como estava acompanhado por Rosa Mota – outro expoente da constelação de rosas que por lá desfilou – e porque a antiga campeã não estava em forma, o senhor presidente achou por bem sacrificar a sua prova para não fazer a descortesia de desacompanhar a campeã.
É o país que se reencontra consigo. Agora sim, acabou o discurso da tanga. Anunciam-se as facilidades. É só ver o povinho – entre emplastros que se acotovelam atrás das câmaras, procurando uma nesga da imagem, e os boys e girls que se põem em bicos de pés à cata do próximo tacho –, sorriso de contentamento rasgado de orelha a orelha, jactante com as manifestações de boa disposição e de humor contagiante dos senhores que se seguem ao leme da nau. Vêm aí tempos de bonança, um povo que volta a erguer a cabeça. O desígnio nacional estava inscrito nas estrelas: é com estas rameiras que se pavoneiam como varinas em fracas peças de teatro revisteiro que o povo lamuriento e medíocre se identifica.
Não, não era pesadelo induzido pela febre. Era o retrato de um pachorrento domingo nas vidas corriqueiras de todos nós.
As tremuras febris parecem coalhar a perspicácia dos sentidos. Sobretudo no sono, tais as imagens extravagantes que desfilam no limiar do subconsciente. Esta noite sonhei que fazia de cicerone turístico junto da minha família, dando a conhecer o Funchal ao pormenor. Tive este sonho uma vez, acordei, voltei a mergulhar nas ondas do sono e a deixar-me invadir pelas sensações oníricas que fizeram de mim um profundo conhecedor do Funchal. No roteiro andado pela cidade, até as explicações históricas eram dadas com abundância de detalhe. São as armadilhas da diatribe febril. Para quem nunca foi ao Funchal, ter um sonho deste calibre é um mistério insondável.
Os delírios da febre trouxeram outros sonhos bizarros. Sonhei que pela primeira vez os concidadãos lusos puderam ver um primeiro-ministro trajando calções, no final de uma “extenuante” corrida de três ou quatro quilómetros, que tem servido para apresentar a escondida faceta de desportista de certos actores políticos – ao menos uma vez por ano. Sonhei que, ao cabo dos cansativos quilómetros de uma corrida que oscilou entre a passada lenta e muito lenta, o recém-empossado primeiro-ministro, lavado em suor – ou seria operação de cosmética para provar o esforço gasto? – soltou as idiossincráticas afirmações banais. Será que os assessores que lhe construíram a imagem não tiveram tempo de mudar o chip, chamando-o a atenção de que a campanha eleitoral já ficou para trás?
Sonhei que o país cor-de-rosa (politicamente falando) saiu às ruas de Lisboa para mostrar a verve desportista. Não foi só o homem do momento, com nome de filósofo. Foi o “mais alto magistrado da nação”, que a passo de caracol lá fez, a custo, a sua corrida anual, demorando uma eternidade para percorrer o curto trajecto do percurso. E um dos putativos candidatos rosa à câmara municipal de Lisboa, emérito professor de filosofia, que, sabe-se lá como, encontrou a chave do coração de uma das “beldades” oficiais da nação. Este terá chegado à meta antes do chefe. Perante as câmaras da televisão, à cata destes néons de deslumbramento rosa, confessou arrependimento por ter rompido a hierarquia. Era a imagem da frescura física, ostentando uns óculos escuros que encobriam a vista não se sabe bem que de luminosidade solar, ele que estava numa tenda a coberto do sol assassino para a vista. Com a bênção do patriarca partidário – um coelho – os sonhos bizarros não paravam de acossar o sono.
Para compor o ramalhete, à primeira-dama estava destinado o brilharete final neste encantador rosário. Como chegou à meta antes do marido, foi abordada pelos jornalistas, tão empenhados em fazer o boneco com o “socialite” político da mini-maratona. A dona Ritta encontrou a explicação, numa tirada humorística só comparável ao refinado humor do grande humorista Vitorino. Disse que o presidente é um cavalheiro à boa maneira inglesa. Como estava acompanhado por Rosa Mota – outro expoente da constelação de rosas que por lá desfilou – e porque a antiga campeã não estava em forma, o senhor presidente achou por bem sacrificar a sua prova para não fazer a descortesia de desacompanhar a campeã.
É o país que se reencontra consigo. Agora sim, acabou o discurso da tanga. Anunciam-se as facilidades. É só ver o povinho – entre emplastros que se acotovelam atrás das câmaras, procurando uma nesga da imagem, e os boys e girls que se põem em bicos de pés à cata do próximo tacho –, sorriso de contentamento rasgado de orelha a orelha, jactante com as manifestações de boa disposição e de humor contagiante dos senhores que se seguem ao leme da nau. Vêm aí tempos de bonança, um povo que volta a erguer a cabeça. O desígnio nacional estava inscrito nas estrelas: é com estas rameiras que se pavoneiam como varinas em fracas peças de teatro revisteiro que o povo lamuriento e medíocre se identifica.
Não, não era pesadelo induzido pela febre. Era o retrato de um pachorrento domingo nas vidas corriqueiras de todos nós.
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