15.3.05

Insónia

É a sublevação do sono. Um combate perdido, por mais que a mente se esforce em recuperar o sono. O corpo ressente-se com os ponteiros que prosseguem a sua marcha rumo ao final da noite. Hora atrás de hora, e o sono teima em estar ausente. O corpo deambula pela casa, na ânsia que o cansaço vença a insónia que fala mais alto. Uma ida à janela, para sentir o ar fresco da noite, a televisão ligada como se estivesse em linha de espera para instalar o sono que anda arredio. A paciência vai-se esgotando, após todos os exercícios inventados para afastar o fantasma da insonolência.

É uma luta desigual. Como se fosse um antagonismo enfatizado à medida que se renovam os esforços para diluir a insónia. Quanto mais é combatida, mais ela se apresenta, com nitidez, no horizonte das próximas horas. Insónia que vem acompanhada (ou é provocada) pela sufocação de uma gripe que veda as vias nasais. A asfixia que surge, latente, acentua ainda mais a indisposição que consome o corpo, que traz a cabeça latejante numa cefaleia que vai crescendo à medida que a insónia não é derrotada.

Com os olhos bem arregalados, muitas são as coisas que passam pela cabeça, muitos os pensamentos que desfilam à espera que o sono vença a tormentosa vigília. A mente desdobra-se em exercícios mil, tentando desligar-se da terra, como se fosse o segredo para varrer para o canto a insónia persistente. Malabarismos mentais, em desespero de causa, numa procura pelo bem-estar ausente nesta noite. Entretanto, as horas vão passando. Quase podia escutar o ritmo cadenciado dos ponteiros do relógio, contando cada segundo como o sinal do aborrecimento que se apoderou de mim. A espaços fico na dúvida se caí no sono por uns breves momentos, ou se apenas sonhei que tinha conseguido adormecer numa estocada final à insónia inimiga. Mas logo as dúvidas se dissipam. De novo acordado, invadido pelos tentáculos gelatinosos da insónia que promete adiar o sono para a noite seguinte.

Espreito o céu pela janela, o céu voltado para nascente. A claridade vai irrompendo, de início com timidez, mas depois com todo o seu fausto. É o chamamento para a derrota final. A insónia saíra vencedora, numa noite passada quase em branco. O corpo sente-se manietado, preso de movimentos, um peso grotesco a pairar sobre a cabeça que lateja sem parar, os olhos semi-cerrados ostentando umas olheiras bem marcadas. O discernimento escasseia, a concentração estacionou algures. Fica a promessa de uma dia sofrido, um longo de dia em que cada minuto se parece eternizar para além do razoável. Um dia perdido. Um mau dia para um trabalhador aparecer garboso da produtividade habitual.

A luta feérica que se travou é das manifestações mais desagradáveis de indisposição. Não consigo descobrir coisas piores do que uma insónia que se estende noite dentro, consumindo as energias que deviam ser retemperadas no sono que ela impede de vencer. É a imagem acabada da impotência de quem tenta vergar a insónia, sem o conseguir fazer. Como se a insónia fosse senhora absoluta da sua vontade. Só se deixa dobrar quando enfraquece espontaneamente, não por acção de quem a tenta derrotar.

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