É uma imagem brutal que entra pelos olhos dentro. Por cá ainda não vi as campanhas dos activistas dos direitos dos animais, despertando as consciências para a selvajaria que exercitamos sobre animais indefesos, em nome da ciência colocada ao serviço do ser humano. É mais comum ver os cartazes dos activistas dos direitos dos animais pela Europa fora. De cada vez que vou a Londres, as imagens chocantes estão lá, advertindo para a barbárie que se pratica mesmo debaixo do nosso nariz, sem darmos conta de que somos cúmplices dessa barbárie.
As imagens são arrepiantes. Fotografias das experiências cruéis em animais – desde os infelizes ratos, promovidos à condição de cobaias por excelência, passando por cães e gatos extraídos à vadiagem a troco do enclausuramento e do sacrifício às mais horripilantes experiências científicas. Para quem tiver coragem de passar os olhos pelas fotografias, para quem quiser ficar com insónias quando a cabeça repousar no travesseiro, basta tirar uns minutos e violentar-se com a violência a que estes animais estão expostos. São corpos ensanguentados, esventrados, mutilados. Animais agrilhoados a uma vida vegetativa. Cães e gatos presos, membros inferiores e superiores estendidos e espetados com ferros que, para um leigo, apenas mostram a imagem de uma violência insuportável.
Qual o preço a pagar? Dizem aqueles que querem apaziguar as suas consciências, é o preço do progresso. A factura do bem-estar humano. Sem estas experiências seria impossível desbravar o caminho para descobertas científicas que trouxeram mais esperança de vida para os humanos, remédios que inoculam o organismo humano contra doenças outrora fatais. Se bem entendo as campanhas dos activistas dos direitos dos animais, as imagens sofridas com que nos violentam referem-se a experiências sobre animais na indústria de cosméticos.
Mesmo aí os percursores do humanismo – os que colocam o ser humano como prioridade de acção – dirão que são aceitáveis os sacrifícios impostos aos animais enquanto cobaias. Porque é uma indústria que proporciona bem-estar aos humanos, tal basta para se contemporizar com as experiências cruéis em animais. Não consigo concordar com esta visão utilitarista. É uma visão que renega o mais puro humanismo de cada indivíduo. Não é mais humanista aquele que apenas olha para os direitos do ser humano, instrumentalizando os animais em proveito do Homem. Esse é um humanismo autista, antropocêntrico, um falso humanismo. O Homem não é a única espécie humana no planeta: convivemos com outros animais. E se insistimos que somos superiores às demais espécies por causa da racionalidade que é atributo exclusivo, espezinhar os direitos dos animais é o caminho simbólico da negação dessa racionalidade.
Por uma vez estou ao lado dos ambientalistas. Descontando os excessos característicos dos fundamentalistas da causa ambiental, não me repugna assinar petições que chamam à atenção da indignidade que é fazer os animais passar por sacrifícios brutais em nome de vaidades humanas alimentadas pela indústria de cosméticos.
Há algo de incómodo nestas campanhas de rua. A violência das imagens pode exercer um efeito contraproducente. Confesso que apenas uma vez tive estômago para olhar de frente para as fotografias apresentadas pelos activistas. De todas as outras vezes que me deparei com estas campanhas de rua, ou com autocolantes afixados no metro, o instinto levou-me a desviar o olhar para o lado contrário. Para evitar a violência que as imagens de animais em sacrifício (ou acabados de sacrificar) exercem aos meus olhos.
Dou comigo a pensar se esta fuga não é uma manobra retráctil da consciência, uma hipocrisia, não querer que o meu bem-estar emocional seja momentaneamente perturbado pelas imagens horríveis que surgem. E se, com esta reacção, não estou a ser condescendente com as experiências violentas que se perpetuam sobre animais indefesos, caucionando os produtos cosméticos que se continuam a vender para que possamos ter uma pele mais lisa, para que nos perfumemos, ou para que mulheres surjam em público como lojas ambulantes de cosméticos, nem que para tudo isso seja necessário sacrificar animais.
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