O mundo é belo, porque reserva surpresas inauditas a toda a hora. A mais recente veio de Israel. Na milionésima iniciativa de paz votada ao fracasso, José Mourinho – auto-proclamado "maior treinador de todos os mundos" – foi convidado para patrocinar uma iniciativa que misturava futebol, paz e crianças israelitas e palestinas. A escolha não podia ser melhor. Para Mourinho ser um santo, convenhamos, só lhe falta a auréola…
Gostava de saber o que passou pela cabeça dos promotores da iniciativa. Não sei se eles estão a leste do futebol internacional. Imagino que não tenham tomado contacto com o curriculum notável de Mourinho. De todo o curriculum, não apenas das conquistas desportivas que o embelezam. O treinador do Chelsea é mestre na arte de atingir os objectivos sem olhar aos meios utilizados. Amesquinha os adversários, utiliza tácticas que importou de manuais clássicos de guerrilha, lança mão de uma linguagem bélica – um arquétipo que nega o desporto como imagem do espírito olímpico.
Para Mourinho, no desporto só há um resultado possível – a vitória. E não interessa como ela é alcançada. Se for com mérito, tanto melhor. É a forma de mostrar como ele e os seus são os melhores, servindo para humilhar os adversários que ousaram sequer sonhar que podiam derrotar a equipa comandada pelo “melhor treinador do mundo”. Se a vitória lhe vai parar às mãos pelos descaminhos da sorte, ou com ajudas externas (árbitros encantados, ou expedientes “à Pinto da Costa”), nada disso interessa, apenas a vitória. Cultiva um espírito guerreiro nos seus atletas, que olham para os adversários como o inimigo. A meio do trajecto, se necessário for, mina psicologicamente o terreno pisado pelos treinadores das outras equipas, critica asperamente árbitros quando eles não estenderam a passadeira à sua equipa.
E assim Mourinho foi escolhido como embaixador da boa vontade. Em boa verdade, como paradigma da paz podre que é apanágio das tímidas tentativas de pacificação entre palestinos e israelitas. É este o cenário em que uma falsa pomba branca aterrou em solo israelita para promover, através do desporto, a paz impossível. Tudo fica cristalino: com o ego incomensurável de Mourinho, a deslocação a Israel serviu para limpar a imagem belicista que ele tem granjeado ultimamente, e que o pôs na mira de fogo das autoridades inglesas e europeias do futebol.
Há quem pressagie uma brilhante carreira política a Mourinho, algures num futuro não muito distante. Neste tirocínio pelo mundo da bola, o aprendiz já revela os tiques de retórica que fazem da classe política um mundo lastimável. A digressão pacífica por Israel mostra-o sem contemplações. Um Mourinho que ergue a sua voz a favor de algo (a paz) que ele não consegue cultivar naquilo em que se tornou conhecido – sendo aliás a antítese desse valor; um Mourinho que se aproveitou, na sua inocência saloia, para limpar a face do homem belicista com a colagem a uma iniciativa que patrocina a paz numa zona tão sensível. Um homem com a arte da retórica, que sabe manobrar inteligentemente a sua imagem.
Como político, há-de ir longe. Mesmo que não se goste dele, há que lhe reconhecer a inteligência que coloca ao serviço dos seus objectivos. Estou a vê-lo, homem confessadamente de direita, não se revendo nos partidos clássicos desse espectro político, a fundar o seu próprio partido – o PM (Partido do Mourinho), pois melhor idiossincrasia egocêntrica não podia existir. Depois, a afundar o PSD e o CDS-PP, a captar votos à esquerda, para desespero do PS e da extrema-esquerda, e a chegar a PM (primeiro-ministro) enquanto o diabo esfrega um olho. Portugal será então grande…
Um comentário final acerca da patética iniciativa de paz. Escolher Mourinho ou ir buscar Bin Laden às recônditas montanhas do Afeganistão – que diferença faria na promoção do valor que é pouco mais do que um dissonante exercício para aquelas terras?
Sem comentários:
Enviar um comentário