12.5.05

A insónia

Há noites em que o sono tarda. São voltas e mais voltas que deixam os lençóis desgrenhados, peganhentos da fúria que os poros vão libertando. Há noites em que a insonolência se instala já a madrugada está para chegar, a meio de um sono interrompido. Quando o relógio diz que ainda faltam algumas horas para o despertar, e mesmo assim a cabeça se recusa a mergulhar no sono.

As insónias semeiam irritação. Por mais que se tente combater a insónia e trazer de volta o sono, parece que mais este se afasta para outros lugares. Fazem-se exercícios mentais que buscam a reconciliação com o sono. O corpo procura levitar-se de si mesmo, desprender-se da mente. Concentração apenas na mente. O resultado não é agradável. Porque a cabeça entra em divagações frenéticas, o oposto do necessário para atrair o sono fugidio. No ensaio de separar corpo da mente, apenas a frustração de saber que o desafio não é vencido.

Persiste a insónia. Começam a desfilar no horizonte mental as tarefas agendadas para o dia que se segue. Começam a pairar na escuridão do quarto pensamentos que trazem de volta assuntos encerrados, simulações de cenários, pessoas que são revisitadas, o que foi dito e o que ficou por dizer. A certa altura, a insónia assenhoreia-se do palco rebatendo de vez o sono que só há-de chegar na próxima noite. A intensidade mental é transportada pela insónia, o seu nutriente. E por mais que procure adormecer os pensamentos que vagueiam pela cabeça, rebeldes e erráticos, acabo por renunciar ao esforço que se abeira de um exercício que começa a ser titânico.

Já havia longas noites, longos meses, que as insónias estavam longe de mim. Tive-as mais na juventude, quando a ausência de cansaço era mais favorável à criação de insónias sucessivas. Sabia, de então, que a melhor forma de derrotar a insónia é ignorar a sua existência. Fazer de conta que não estava a ser dominado pela insónia. Desses tempos cultivei a resistência interna à insónia: deixar-me enlear nos seus braços, sem lhe dar a importância que ela queria reclamar. Iludia a insónia, simulando a não vontade de cair no sono.

Com a idade, com outras responsabilidades, o cansaço no final do dia passou a tomar conta das noites. A queda no sono era rápida, sem levar às tenebrosas insónias de outrora. Quando elas agora se anunciam, sem a assiduidade de então, são um corpo estranho que se instala e me percorre de uma ponta à outra. Sinto-me como se nunca tivesse suportado as diatribes de uma insónia. De cada vez que elas renegam a urgência do sono, deixo-me invadir pela sensação de que nunca tinha passado pelas impertinências de uma insónia. Parece que uma esponja dilui os vestígios do passado. Como se as memórias das frequentes insónias adolescentes se tivessem apagado, ou fossem distantes penumbras que não consigo perfurar.
As sequelas da insónia perduram durante o dia que se segue. As poucas horas de sono levam parte do discernimento que ainda possuo. Desnorteiam-se os sentidos, falha a concentração, vinga a vontade do ócio. É um dia adiado, jornada para esquecer. E quando, à noite, o cansaço irrompe com toda a sede, emerge o receio de que o sono atrasado seja combatido por outra insónia maléfica que se inventa, vinda do nada.

Sem comentários: