4.5.05

Os piropos dos trolhas

São os campeões do marialvismo. O trabalho é árduo, físico. Arcar com tijolos, sentir a poeira do cimento entranhar-se nos poros e nos pulmões, suportar os rigores do clima – ora a chuva que ensopa os ossos, ora o calor abrasador que tosta o cérebro – não está ao alcance do comum dos mortais. Entende-se que eles tenham que fazer uma pausa no trabalho. Ou para beber mais um gole de cerveja, ou para deliciar a vista quando passa um mulherão que está mesmo a pedir que se solte o relambório de piropos que engrossa a cartilha bem composta dos trolhas.

Em frente ao meu prédio está a nascer um edifício. Depois das fundações, depois das placas de cimento armado que fazem as divisórias entre os andares, chegou a etapa dos tijolos que vão separar os apartamentos e, dentro destes, as divisões. Veio uma nova fornada de trolhas – são mais, e de outra estirpe. Menos refinados na educação. Há um que está sempre a trautear uma melodia entoada pela claque de energúmenos do clube de azul e branco. Outras vezes canta a música que os facínoras cantarolam para celebrar o seu papa – qualquer coisa como “Pinto da Costa, olé, Pinto da Costa, olé”. Nem o vidro duplo da marquise do meu escritório é barreira auditiva para os impropérios que disparam uns aos outros, quando um asneira. Mas onde eles se destacam é nos piropos dirigidos às senhoras que parqueiam nas imediações.

É certo e sabido: começam com uns assobios, para chamar a atenção da fêmea que acabou de sair do carro. Depois soltam-se os grunhidos que escondem umas palavras, na maioria das vezes imperceptíveis. Quando alcanço o que aquelas bocas esfaimadas destilam como encómio à mulher mais ou menos escultural que desfila na rua, são palavras imaginativas, carregadas de sentido de humor. Há os que descambam para a ordinarice – que no final predomina. Aos que não resistem a soltar palavras desagradáveis, apetece perguntar: qual é a intenção? Aposto que não será engatar a mulher que vai pela rua, orelhas moucas às palavras ensandecidas. Mas, e se fosse? Seria com a jactância de um homem das cavernas que lá iam? Ou será apenas a genética do marialva que se preza, da criatura que ainda acredita que elas gostam mais daqueles que as maltratam?

Estes trolhas estão desenquadrados. Ou serei eu? Agora que as mulheres, no fulgor da sua emancipação, reivindicando igualdade de direitos a torto e a direito, em teoria fogem dos desbocados marialvas que ainda as tratam como objectos, os trolhas são peças de arqueologia que vivem aprisionados ao passado que desprezava o romantismo – pelo menos na fase da conquista. Não é de estranhar: a aliança entre a força bruta da musculatura e a inoperância dos neurónios impede os trolhas de verem mais além. O mulherio, ainda e sempre o objecto que materializa o desejo másculo – e apenas isto.

Esta verborreia inconsequente sinaliza outro estado de alma. Frustrados pelo insucesso em chegar ao coração das damas – em rigor, não é bem aí que os trolhas querem chegar – exaltam a insatisfação através dos piropos que interrompem a jornada de trabalho. A insensibilidade que exalam é o suor baço e pútrido que repele o sexo feminino. Mas os trolhas satisfazem-se com pouco: incapazes de transformar as ameaças embebidas nos piropos, os trolhas restringem-se a uma imaginação (fértil?). E daí não passam. O mulherio que anseiam (será?) passa-lhes ao lado, como quem tenta estender uma mão para agarrar os grãos de areia soprados pelo vento em sentido contrário.

A boçalidade presenteia-os com o infortúnio, tornando mais elástica a báscula que os separa do sexo feminino. Quem sabe se por se sentirem injustiçados – ao não serem correspondidos nos flirts desajeitados – especializaram-se no palanfrório insultuoso para as mulheres. Prova da inteligência que (não) abunda. Possuídos de um orgulho masculino ímpar, são exemplos envaidecidos de uma heterossexualidade gorada. Não dão para homossexuais, porque isso atenta contra os padrões mentais em que foram formatados. Resta-lhes serem amibas: na recusa da homossexualidade, mas sem sucesso com as mulheres.

É aqui que faz sentido recordar o adágio: “cão que ladra não morde”!

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