Não tinha saudades de ir para a estrada ao domingo à tarde. Não tinha saudades de me exasperar com os domingueiros que se espalham estrada fora, com a lentidão que põe a paciência à prova. Ontem tive que ir a Ponte de Lima. Pelo IC1 fora (agora chama-se A28, à espera que o primeiro-ministro mantenha a promessa espúria das portagens virtuais, essa decisão iníqua e economicamente irracional), parecia que ia numa procissão. Carros e mais carros, em duas velocidades: devagar e lento. Os que iam devagar punham-se do lado esquerdo, ensaiando ultrapassagem aos lentos. Estes a setenta à hora, os que se aventuravam pela faixa da esquerda a setenta e cinco, do alto do orgulho de quem vai a ultrapassar uma fileira de parceiros que se ia arrastando domingueiramente pela estrada.
Carros que saem da garagem ao fim-de-semana. Depois do almoço dominical em famelga, espairecer as pernas dentro do veículo (estranha forma de fazer desporto; depois ficamos alarmados com as estatísticas do colesterol, dos enfartes de miocárdio, das tromboses). Mete-se a família no carro para o passeio dos tristes. Dantes, entupiam a estrada nacional. Odisseia que se prolongava tempo fora. Demorava-se mais de uma hora para se fazer trinta quilómetros. Porque domingo é para descansar. Para deixar as pressas para trás das costas. O stress é exclusivo dos dias de semana. É aí que o ritmo de vida se faz alucinante. O fim-de-semana é o império do repouso. Na aclimatização do ócio, até as máquinas potentes que famílias endinheiradas passeiam na estrada marcam o passo de caracol, tragando quilómetros com a lentidão que a preguiça aconselha.
Depois há os apressados, essas aves raras que ao fim-de-semana, guilhotinados pelo tempo que corre voraz, deviam ficar em casa para não prejudicar a procissão lenta dos domingueiros. São eles que furam o entorpecimento que se semeia pelas estradas. São eles que aborrecem a lentidão sossegada dos domingueiros militantes. Malditos espécimes, que deviam aprender a andar devagar porque o fim-de-semana é tempo de reparar forças, de olvidar o frenesim dos longos dias de semana.
Os domingueiros sentam-se nas suas bombas artilhadas, que repousam na garagem (ou ao relento) pela semana fora. Engraxam a viatura ao sábado, para ao domingo se pavonearam com garbo, família apensa, estrada fora. Embarcam numa competição para ver quem consegue andar mais devagar. Pedem meças uns aos outros, para ver quem consegue engarrafar mais o trânsito. Depois do lauto almoço, bem regado com o verde tinto que tresanda a zurrapa, sentam-se ao volante e fazem uma semi-sesta aos comandos do automóvel. Meio cérebro adormecido – fim-de-semana oblige – e a outra metade em salmoura nos vapores etílicos que viajam de neurónio em neurónio.
A euforia contida faz deles os campeões da prevenção rodoviária, pois vão muito dentro dos limites de velocidade. Se acaso fazem manobras imprevisíveis – mudar de direcção sem o pisca-pisca, parar inopinadamente na berma da estrada para comprar melões, ultrapassar quando alguém já o vai a fazer, circular devagar nas auto-estradas pela faixa da esquerda, como se estivessem heroicamente a ultrapassar o vácuo – sabem que não estão a infringir preceitos do código que convocam a sinistralidade rodoviária. Os maus da fita são os imprevidentes que ousam circular aos domingos a velocidades impróprias. Esses são os responsáveis pelos acidentes. Nunca os domingueiros, que nem sabem o que estão a fazer ao volante, a macerar o álcool que regou o almoço avantajado. Não eles, com as manobras imprevisíveis que causam acidentes – e depois apressam-se a atirar as culpas para o outro, porque devia ter dons de adivinhação.
No regresso de Ponte de Lima não quis repetir a experiência. Como estes “senhores prudência” poupam todos os tostões que puderem, suspeitei que a auto-estrada Valença-Porto estivesse desanuviada destes espécimes: tendo o IC1 gratuito, para quê pagar portagem na A3? Ganhei a aposta. A auto-estrada tinha menos trânsito. Os domingueiros não gostam de auto-estradas a pagar. Benditos 4.85 euros de portagem! A chancela para me ver livre da chaga dos domingueiros.
Tão cedo não me apanham na estrada ao domingo…
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