É recorrente: a ignorância, aliada à maldade doentia, descamba em crimes hediondos. A ignorância assim nutrida vem alimentar a sede de vingança, essa coisa reles chamada “justiça popular”. É o povo que, do alto da sua terrível ignorância, responde à miserável ignorância, à macabra propensão para o crime. De vez em quando somos assaltados pelas imagens da turba indignada que, fosse feita a sua vontade, dispensava a existência de juízes, passava por cima das regras civilizacionais que nos ensinam que a justiça não se deve fazer com as próprias mãos.
Ontem, mais do mesmo. Um crime incompreensível: maus-tratos numa criança de tenra idade, roubando a vida da infeliz criança.
Estes arruaceiros acreditam piamente que conseguem iludir a apertada vigilância policial e subtrair os criminosos para fazerem “justiça popular”. A sede de vingança alimenta o fervor popular. A gentalha revela o selvagem que há dentro de cada um: contido quando não tem razões para destilar ódio, soltando a selvajaria que habita nele quando algo acontece que detona o protesto hibernado. Só a ignorância, ou a mal formação individual – ou as duas coisas ao mesmo tempo – explica a propensão para a bandalheira social, tão do agrado da frouxa imprensa que por aí anda.
A ignorância explica a deriva comportamental. São as pessoas que ignoram como funciona a sociedade modelar em que estão convencidas que vivem. São elas os esteios da sagrada democracia, porque se insiste que todos temos o mesmo direito de voto, independentemente das capacidades de cada um. A pessoa mais ignorante, mais alheada do mundo, tem o mesmo poder de influenciar que uma outra dotada de sensatez, equilibrada, informada. É isto que não está certo. Por mais que esta minha conclusão arrepie as sensibilidades do politicamente correcto, mantenho a ideia: devia existir um mecanismo qualquer que retirasse o direito de voto às criaturas alienadas que dessem para o peditório da justiça popular.
Mas não são apenas estas espécimes que vendem ignorância a rodos. No mesmo dia, o conhecimento de três casos de meningite numa escola dos arredores de Lisboa. Instalou-se o alarme social, pois o tipo de meningite detectado é do mais contagioso. Percebe-se a preocupação que se apoderou dos pais das outras crianças da escola. O que já não se compreende é o histerismo que os levou em massa à escola, a exigir da direcção coisas que ela não tem competência para decidir (o encerramento da escola). Ao povo não interessa saber quais as consequências que a directora da escola sofreria se aceitasse a exigência. Pudera, não era o povinho a arcar com as consequências! É a democracia popular no seu esplendor: o povo exige, cumpra-se a vontade do povo. Não interessa saber que há pessoas legitimadas para tomar as decisões (ou o contrário do que o povo exige).
A ignorância popular não tem limites. Intriga-me como podem aqueles pais e mães assentar arraiais numa escola onde se descobriram casos de meningite. Se a doença é tão contagiosa, como podem os pais arriscar uma ida a um local onde a bactéria anda à solta? Será que querem ser portadores da doença, incubando-a nas suas casas e oferecendo-a de contágio aos seus filhos? Quando a solução seria ir a qualquer local menos à escola, aqueles pais ignorantes fizeram o contrário do que seria sensato. Onde a irresponsabilidade se mistura com a mais pura ignorância – ou onde a ignorância é o alicerce de uma irresponsabilidade que aquelas pessoas não têm capacidade para discernir.
É por isso que me custa ver gente deste calibre a ter o direito de voto. Concedo que é uma conclusão pouco popular. Será fácil chamar-me anti-democrático. Mas bastará um manto de formalismo (uma pessoa, um voto) para sermos democráticos? Devemo-nos contentar com uma democracia que põe no poder alguém à custa de uma turba de ignorantes?
Em tempos alguém disse que o mal do país não é o país que temos. Que seria necessário mudar de povo para termos um país decente. Um sonho distante, que disso não passa. Mas um sonho que desnuda a realidade que nos circunda.
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