Umas vezes são notícia pela bizarria. Outras vezes pelo exemplo que legam. Os japoneses, desta vez, inovaram nos costumes. Alteraram-nos em homenagem ao meio ambiente que se degrada a cada dia que passa, fruto de agressões com têm múltiplas origens. Foi o primeiro-ministro que tomou a iniciativa de aparecer sem gravata. Passando a mensagem: os homens sem gravata aclimatizam-se melhor a um ambiente de trabalho dois ou três graus mais quente. Dispensam-se aparelhos de ar condicionado que gastam tanta energia a refrescar as salas onde os japoneses trabalham. Com a poupança de energia, os cálculos dos especialistas apontam para um impacto notável na melhoria do meio ambiente.
Depois do primeiro-ministro ter aparecido perante as câmaras da televisão em mangas de camisa e com as fraldas de fora, foi a vez dos executivos das principais empresas seguirem as pisadas. Desconheço o sucesso da iniciativa. Retenho estas imagens na memória, captadas há largas semanas. Entretanto foi o silêncio. Quando o ruído devia prosseguir, para sabermos se as intenções se ficaram por isso mesmo, intenções. Ou se a original iniciativa foi levada para a frente, fazendo com que o quotidiano estival dos políticos, empresários e de tantos trabalhadores que trajam fato e gravata seja agora ausente do adereço que aperta o gargalo e asfixia quando o tempo tépido caustica os corpos.
A iniciativa pôs-me a pensar: só se fala do seu impacto no sexo masculino, uma forma sexista de ver as coisas, tanto mais que o calor afecta os homens como as mulheres. Eis como a defesa do meio ambiente, vanguarda das causas politicamente correctas, choca de frente contra outro domínio do pensamento politicamente correcto – a discriminação positiva em favor das mulheres. É verdade que não são elas que suportam o fardo da gravata. Elas podem trajar roupas ligeiras, enfrentando a canícula com mais à vontade. O que seria suficiente para concluir que a medida não encerra discriminação sexista. E que o calor é atributo de uma desigualdade que atinge os homens que por convenção usam gravata. Os elementos da natureza ao serviço dos interesses que querem impor por decreto uma igualdade forçada dos sexos.
As fundamentalistas do feminismo não ficariam satisfeitas com o raciocínio. Desconfortáveis com a cobertura do direito natural, as militantes feministas teriam motivos para clamar por um tratamento preferencial que caucionasse uma desigualdade em seu favor. Se aos homens é garantida a faculdade de remeter as gravatas para o fundo do armário enquanto durar a canícula estival, exigir-se-ia que as mulheres pudessem virem trabalhar com roupas ainda mais aligeiradas.
Mas eis que na dobra da esquina outro engulho estaria à espreita: o terrível sexismo também é feito de assédio sexual que campeia no mundo profissional, para não dizer fora dele, nas ruas, nos corredores do metro de Tóquio. E conceder o direito a trajar roupas ligeiras às pequenas japonesas teria o impacto telúrico de perturbar a atenção dos homens, mais atentos a olhar de soslaio para a colega com mais pedaços do corpo à mostra, com consequências negativas na sagrada produtividade. Já para não mencionar o incómodo que as mulheres sentiriam, ao passearem pelas ruas nos seus corpos semi-desnudados, alvos de olhares indiscretos e de dislates proferidos por homens com as hormonas emproadas. Há medidas cujas consequências acabam por se virar contra os nobres propósitos que elas contêm…
Este é mais um exemplo de como a economia e o ambiente são conflituantes. É dos manuais: é normal que a defesa do meio ambiente tenha um impacto negativo sobre a economia, da mesma forma que uma visão economicista agride a preservação do ambiente. Com o exemplo vindo do Japão, a lição é a mesma. Por um lado, porque a extensão da medida às mulheres (para não pesar a acusação de desigualdade sexista) teria o condão de distrair os seus colegas masculinos do trabalho, com os olhares desviados para as tentações carnais que se passeiam ali mesmo ao lado. Por outro lado, porque a emancipação da gravata não é sinónimo de mais produtividade do trabalho. O calor continua presente – aliás, ainda mais, pois os aparelhos de ar condicionado estão afinados para temperaturas mais elevadas, logo mais desconfortáveis para a execução das tarefas.
A medida é boa para o ambiente, má para a economia. Sinal do dilema que o mundo moderno enfrenta: o que é mais importante – ambiente ou economia?
(Em Vilamoura)
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