Protestam os pescadores de Sesimbra. Marcham contra a ameaça que paira sobre a sua forma de vida, mercê do terreno conquistado por biólogos e ambientalistas que convenceram a Comissão Europeia a pôr um travão nas capturas de algumas espécies piscícolas. A certa altura, as partes desavindas cruzam-se no caminho. Alguns pescadores mais exaltados querem-se travar de razões com biólogos que apareceram nas imediações. Estes, em minoria, impávidos e com o rabo entre as pernas, limitados a um silêncio táctico. Não vá o diabo tecê-las…
Não é a primeira vez que pescadores protestam contra decisões que limitam a sua actividade. Tem sido visível a influência que os ecologistas exercem sobre as autoridades de Bruxelas. Invocam-se estudos científicos que mostram, com a infalibilidade a que os cientistas se arrogam, um cenário catastrófico se a intensidade piscatória de hoje se mantiver pelos dias futuros: muitas espécies começam a escassear, e pode acontecer que elas desapareçam.
Sensível aos apelos dos ambientalistas, a União Europeia limita a pesca para preservar os peixes que estão sob ameaça. Usa a pedagogia: tenta convencer os visados (os pescadores) que a ausência de restrições no presente poderá significar a morte da actividade piscatória num futuro próximo. Os pescadores não se convencem. Desconheço quais as suas motivações: não sei se é oposição por oposição, sem fundamento científico que se jogue contra os estudos dos ambientalistas; ou se há um fundo de razão que os leva a desconfiarem dos que zelam pelos recursos marinhos.
O episódio de Sesimbra mostra como as posições estão extremadas. Não custa a admitir que haja excessos na reacção dos pescadores, que fazem passar a mensagem que muitos deles irão passar fome se for dada razão aos biólogos. Mas também gostava de saber se as posições dos ambientalistas não resvalam para o exagero da causa. Pelos precedentes conhecidos, fico com a ideia que não olham a meios para defenderem a sua dama. Quantas vezes pintam quadros dantescos, sublinhando a necessidade de pôr fim à exaustão de recursos naturais que se deve à pura ganância humana, enfim, ao nefando capitalismo? E quantas vezes vinga a conclusão de que as nuvens não são assim tão negras?
Podem os ambientalistas agarrar-se a um princípio metodológico que os leva ao zelo na defesa das causas. Se não exagerarem na retórica, poucos darão atenção aos problemas que afectam o meio ambiente. Também é verdade que quando mergulham na profundidade deste método, os ecologistas não hesitam em sacrificar o Homem ao ambiente. Descambam na irracionalidade da causa, num dos fundamentalismos da sociedade contemporânea. Passam a imagem de que o Homem está ao serviço do ambiente. Quando deviam educar o Homem para utilizar os recursos naturais de forma racional, convencê-lo de que exaurir os recursos é meio caminho andado para um mundo desértico, um ecossistema que perde a sua identificação, um legado vergonhoso para as gerações futuras.
Desconheço o real estado dos bancos de pesca nas zonas fainadas pelos pescadores de Sesimbra. Não me custa a admitir que poderá haver algum perigo de exaustão das espécies pescadas. Mesmo assim, algo não bate certo. Ou os protestos dos pescadores não se fariam sentir com tanta veemência. Curioso é observar como gente que se afirma na vanguarda do pensamento se embrenha em actos de despersonalização. Para os biólogos, os peixinhos têm mais importância do que as pessoas que vivem do mar. Antes salvar a vida dos peixinhos do mar. O que acontecerá aos pescadores, depois de limitada a pesca, não lhes interessa. Se a miséria aumentar, se a fome grassar entre as famílias dependentes do dinheiro que a pesca proporciona, problemas que lhes passam ao lado.
Adivinho a incoerência de biólogos deste calibre. Afadigados nas causas da alter-globalização, apadrinhando as lutas contra o perverso capitalismo, insurgem-se contra o fast food, contra a comida tradicional que semeia doenças modernas. Como os médicos que fazem campanha contra estes e outros males da saúde pública, e depois são consumidores ávidos de um bom charuto e de um whisky de doze anos, também vejo estes biólogos a aconselharem a degustação de um peixinho grelhado nas esplanadas de Sesimbra…
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