7.6.05

Quando um ministro tem duas opiniões: a pessoal e a oficial

É o caso que tem agitado as notícias. Freitas do Amaral, num inglês que pouco ultrapassa a escala do macarrónico, disse uma coisa de manhã que foi diferente da que disse à tarde. Não que estivesse em diferentes qualidades quando caiu no alçapão de desdizer o que tinha afirmado em primeiras instâncias. De manhã, na assembleia parlamentar do Conselho da Europa; à tarde, numa conferência de imprensa, acompanhado do ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha. Em ambos os casos apareceu como ministro dos negócios estrangeiros da “Portuguese Republic” (com sotaque de canalizador com curso de inglês tirado às três pancadas).

Em bom rigor, nem sequer se coloca a questão de saber em que qualidade as afirmações foram produzidas. Se o senhor é ministro dos negócios estrangeiros da “Portuguese Republic”, que guarde as opiniões pessoais para a intimidade dos seus botões de punho. Não pode é lançar âncora na condição de personalidade que paira acima do comum dos cidadãos para de manhã fazer de conta que não é ministro e à tarde vestir a casaca solene de ministeriável figura. Privilégios de quem se julga um “senador”, com as regalias que o colocam a gravitar acima do comum dos mortais.

Freitas do Amaral não se pode dar ao luxo de opinar, sobretudo quando sabe que existe uma divergência entre a opinião pessoal e a posição oficial da “Portuguese Republic”. Freitas do Amaral, o ilustre académico, pensa que os referendos à Constituição Europeia deveriam terminar, arrepiando caminho a negociações para uma nova constituição. Já Freitas do Amaral, ministro dos negócios estrangeiros, contristado, anuncia que a “Portuguese Republic” está comprometida em honrar o compromisso de consultar os eleitores para medir a aceitação da Constituição. Do alto do seu púlpito, Freitas do Amaral – não interessa se o académico ou o ministro – ajuizou que a divergência entre as suas duas metades não provocaria mossa. Afinal ele é um senador. Um senador pode dizer o que bem lhe convém, como é provado amiúde pelas as baboseiras que se soltam da boca sapiente do senador mor do reino – Soares.

Planando sobre o episódio, apenas a normalidade. Foi a mesma personagem que veio para os jornais declarar juras de fidelidade ao governo do amigo Sócrates, pois só aceitou fazer parte do elenco depois de saber a sua composição. Como quem diz: “ó José (Sócrates), só digo que sim depois de me dizeres quem são os ministeriáveis. Só depois de eu aprovar os ministros é que te dou o meu sim. Não estou para correr o risco de entrar num governo de medíocres”. Daí a famosa tirada, num corredor do parlamento, com a sua voz professoral cheia de certezas: o ruído da oposição é produto de uma inveja sem fim. Inveja de pessoas como Campos e Cunha, Mariano Gago e ele mesmo, em pessoa. Perante as evidências, dá para perguntar: terá Freitas sido o censor de consciência de Sócrates, quando este andou em périplo nos contactos para a formação do governo?

Com esta apetência para flutuar acima da pessoa comum, do ministro comum, Freitas do Amaral rivaliza com Jorge Coelho no insustentável peso de quem aparece fadado para exercer mais poder que o primeiro-ministro. Freitas do Amaral é o único que tem privilégios para puxar lustro à opinião pessoal, quando ela não afina com o diapasão oficial da “Portuguese Republic”. Um verdadeiro primus inter pares! A estrela da companhia.

O capo Coelho, mero coordenador dos socialistas para as eleições autárquicas, anda a percorrer o país, perorando exaltadamente em comícios partidários que embelezam jantares dos militantes, num exercício que marca a agenda do seu putativo chefe, o primeiro-ministro. É interessante ver como um homem que tem o pelouro das autarquias manda no governo, com os assuntos que atira para cima da mesa. Coelho discursa, com a gritaria que se lhe conhece e que leva os fiéis militantes ao arrebatamento, e no dia seguinte lá está um ministro, ou mesmo o primeiro-ministro, a anunciar medidas que vão ao encontro do que tinha sido dito por Coelho. Coincidências que revelam quem manda no país…

A escola Santana Lopes deixou o seu legado de forma indelével. Curioso é o comportamento da imprensa: implacável perante o desnorte do governo de Santana Lopes, complacente com a desorientação do governo Sócrates, que não difere muito na escola do seu antecessor, quando vemos ministros a disparar em sentidos diversos.

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