22.6.05

Vai trabalhar, malandro

Têm sido as estrelas da actualidade. O Sr. Sucena, o Sr. Dias da Silva, outros senhores e senhoras dos sindicatos de professores. Parecem inquinados com o que chamaria “vírus Carrilho”: aparecem como sacerdotes da verdade, pairando com a sua brilhante intelectualidade acima do cidadão comum. Com o estatuto avantajado, arrogam-se ao direito de difundir as informações mais estapafúrdias que se pode imaginar, acreditando piamente no que dizem. De caminho, fazem de parvos todos os que escutam as suas palavras.

Os senhores destes sindicatos decidiram defender os privilégios da classe. É compreensível que o façam. Primeiro, esse é o papel que os representados deles esperam. Já que estão dispensados da leccionação para se ocuparem da extenuante tarefa de defender os direitos e regalias dos professores que ensinam as criancinhas, o mínimo que se lhes exige é que sejam zelosos quando um governo ameace beliscar privilégios. Segundo, os preceitos da politização obrigam ao conflito social. Para que os militantes de um partido cada vez mais marginal não se esqueçam que o partido vai caindo no vazio. Não chega a actividade partidária, com menos visibilidade do que em tempos áureos. Os sindicatos são o prolongamento dessa actividade. Terceiro, estes sindicalistas que aparecem, ululantes, espingardando contra “esta” (sic) ministra da educação, temem que algum dia as regalias cessadas atinjam as suas pessoas. É o pesadelo mais terrível que os pode assaltar: a eventualidade de terem que regressar aos bancos da escola, para ensinarem, e mal, as crianças que por lá passam.

Sindicalistas deste calibre causam-se uma indisfarçável alergia. Um preconceito toma conta de mim: de cada vez que vêm protestar, reivindicar, anunciar a legitimidade de greves, uma centelha diz-me que a verdade se encontra algures, não nas suas palavras envenenadas. Ontem, depois de mais um dia de greve aos exames, o Sr. Sucena, enervado, tentou explicar às massas duas coisas que só a desonestidade intelectual capacita. Que esta foi a maior greve dos últimos quinze anos. Pena que os números sejam flagrantes no desmentido: de mais de 67.000 alunos, apenas 7 (sete) não conseguiram fazer exames. Logo de seguida, veio falar de uma adesão à greve de 70% (o que, para os números que os sindicatos costumam atirar cá para fora, é uma percentagem escassa, o insucesso da greve). Depois tentou convencer os cidadãos que ainda se dão ao trabalho de o ouvir que a greve “coincidiu” com os exames, que o objectivo não era afectar a realização dos exames. O governo não tinha dado outra oportunidade para calendarizar a paralisação. O Sr. Sucena deve-nos tomar por pacóvios, ou por inocentes obrigados a dar como verdadeiras as palavras que se soltam da sua cartilha…

O ritual enervado destes sindicalistas causa-me náuseas. Montam “quartel-general”, agarram-se ao telemóvel no desassossego de ouvir a boa nova espalhada pelas escolas de norte a sul. Na ânsia de saber que foram muitos os professores que aderiram à greve. Sem se preocuparem com os efeitos da greve. Que interessa que milhares de alunos possam ser afectados num momento tão crítico? Que respeito mostram pelo nervosismo dos alunos, pelo stress que deles se apodera nesta ocasião? Nada de novo: afinal, para estes sindicatos, vinga a ideia de que o sector da educação existe para que os meninos que respeitam os preceitos da escolaridade obrigatória se ponham ao serviço dos extremosos professores. Não são os professores que estão ao serviço dos alunos, antes o contrário. Corrompido sistema educativo, este em que os sindicatos teimam em assumir um protagonismo desproporcionado.

A indigestão prosseguiu. Ao ver a encenação patética do Sr. Sucena a meter um cigarro à boca, terminando um jejum fumador de quinze anos, para revolta de uma dedicada apoiante que lançou a farpa venenosa: “foi preciso esta ministra para o pôr a fumar”. Estamos todos solidários com a dor do Sr. Sucena…Finalizando com a teatralidade obscena de outro sindicalista que apareceu (o Sr. Sucena devia estar muito ocupado a ocorrer a outras solicitações) a ensaiar uma justificação para tão poucos alunos terem sido afectados, sem que isso prejudicasse o sucesso da greve. Com desplante, disse que foram professores sem qualificação (os da informática, “que nem sequer fazem parte do quadro” e os “professores novinhos, com receio de represálias”) que asseguraram as vigilâncias. Registe-se mais um laivo de desonestidade intelectual: não era necessário apoucar os professores de informática, afinal seus colegas de magistério; e, que se saiba, não são necessárias qualificações do outro mundo para vigiar um exame.

Vejo estas criaturas que deambulam na arte da ociosidade. E só me apetece dizer a cada um: vai trabalhar, malandro!

(Em Vilamoura)

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