O spot televisivo é delicioso, mais pela representação da actriz que satiriza as mulheres que não nasceram com dotes de inteligência. Acontece a toda a gente – homens e mulheres. Talvez a Oni tenha sido infeliz ao escolher o estereótipo da dona de casa desocupada que não se distingue pelos atributos de inteligência. A frase assassina ocorre quando a senhora, atarantada por não perceber a mensagem tão simples que o marido lhe tenta passar pela enésima vez, suplica: “explica-me como se eu fosse muito burra”.
Adivinho a efervescência de feministas militantes, protestando contra a discriminação latente. Não terá sido a Oni inundada de mensagens de indignação, contra a imagem que perpetua uma ideia pré-concebida e errada, a ideia de que a escassez de inteligência abunda para os lados do sexo feminino? Daí que tenha ouvido há dias o mesmo spot numa estação de rádio, agora com os papeis invertidos. (Decerto ficaria muito caro refazer o spot televisivo, com novas filmagens, mais cachets para os actores e todos os técnicos envolvidos. Terá sido mais barato lavar a imagem da Oni com uma nova versão do anúncio apenas destinado a estações de rádio.)
Os consultores de imagem da Oni reflectiram no erro que cometeram com um inocente anúncio que terá motivado a perplexidade dos que ditam os cânones do discurso politicamente correcto? Para evitar danos na imagem, com visibilidade nos gráficos que mostram a evolução dos negócios, terão concluído que a empresa devia limpar a face, eximir-se do ónus que sobre ela pesava, o ónus da discriminação sexual?
Na nova versão do anúncio, é a mulher empreendedora que chega a casa, excitada com a oferta da Oni. É ela que explica ao desocupado e pouco inteligente marido que podem ter televisão e Internet num só pacote a um preço – diz a Oni – imbatível. Na ausência de imagem, resta adivinhar o cenário: o desocupado marido, a braços com as lides da casa, entabulando um carinhoso diálogo com a planta de estimação, é surpreendido com a chegada da sua cara-metade trajando vestes de executiva, pousando a pasta onde repousam importantes documentos que irão dar sustento a muitos subordinados. Agora é ele que escuta, com um misto de incompreensão e de quem está a milhas do discurso, sempre mostrando que não percebe os números que ecoam da boca da mulher. No final do anúncio, é ele que clama por piedade, pedindo à mulher para lhe explicar “como se ele fosse muito burro”.
Darei importância desmedida a um episódio insignificante? Poderão dizer: é só publicidade, nada mais do que publicidade. Ficção pura, e como tal não deve se levada a sério. Discordo: a publicidade é um poderoso veículo de comunicação. Não fosse a publicidade tão importante e as empresas não gastariam rios de dinheiro em estratégias publicitárias para consolidar a sua posição no mercado, aumentar a quota de mercado, ou apenas fidelizar clientelas. A mensagem publicitária é cuidadosamente elaborada, na consciência que ela pode influenciar o público a que se destina.
Anda no ar um perfume do que é politicamente correcto, aspergido pelas sapientes almas que nos educam, com a sua condescendência, para o que deve ser trilhado e o que deve ser evitado. Esse perfume contagia a publicidade. Ela não se pode desviar dos padrões formatados do politicamente correcto. Sob pena de ser a antítese da publicidade, por ser manchada pela ineficácia da retórica que utiliza. E publicidade ineficaz é publicidade suicida, afasta a clientela potencial do produto anunciada, ela que é tão ordeiramente respeitadora dos cânones do politicamente correcto.
Aborrece-me o discurso politicamente correcto por conter as sementes de uma moralidade dominante que se impõe à horda desapossada de espírito crítico. Continuo a acreditar que a única moralidade aceitável é a que cada pessoa edifica em si. Inaceitável é persistir no erro de definir o que é moral e o que se afasta da moralidade, impondo critérios que devem os não proscritos seguir. É que depois há lamentáveis equívocos, incoerências que saltam à vista: como aquele spot a um chocolate que retrata um momento de lazer de um casal de namorados, bosque fora, pedalando na sua bicicleta de dois lugares.
Ele segue no lugar da frente, degustando o chocolate; ela vai no lugar de trás, também saciando a gula com o chocolate. Quando ambos terminam a sua barra de chocolate, e ele repara que só resta mais uma, aproveita a passagem debaixo de uma árvore traiçoeira para, propositadamente, provocar a queda da companheira, que ia desatenta e não reparou na árvore com o galho rebaixado. Só para que ele pudesse açambarcar sozinho o chocolate que restava. Mensagem: o culto do egoísmo puro, o que contrasta com os lugares-comuns da solidariedade, da partilha, do respeito pelos entes queridos, lições dos cânones do politicamente correcto. Ou será que o politicamente correcto recomendava o comportamento do egoísta?