É congénita a desconfiança de pedagogos. Os arautos da vanguarda pedagógica, sempre excitados por arrojadas reformas curriculares, sempre desejosos de moldar – formatar, diria melhor – as criancinhas arrastadas para os bancos da escola, sem tugirem. As mentes altivas das ciências educativas, que não hesitam em fazer dos alunos as cobaias de eternamente fracassadas experiências de ensino. No rescaldo, vegetando na cauda do pelotão, amputamos a qualidade da massa cinzenta futura. Sem que alguém tenha a coragem de varrer a gesta de iluminados pedagogos do ensino, pelo menos para benefício da sanidade mental de alunos e pais.
Anda por aí uma comissão a perorar sobre a inclusão de educação sexual nas escolas. Não estou a par dos pormenores, mas creio que se trata de meter a disciplina naquilo que na minha época se chamava ensino secundário. A ideia terá a sua lógica: o sexo mortal, com a terrífica expansão da sida, cauciona a escola a exercer um dever de cidadania, a educar as crianças para uma sexualidade segura. Aposto que a justificação não se fica pelos preceitos da prevenção. O pragmatismo fala alto, quando estudos mostram que a sexualidade é precoce nos adolescentes mal saídos da meninice. E sobre as coisas importantes da vida, lá está a escola para educar.
Não tivessem os agentes educativos fraca reputação, agrilhoados que estão a uma qualidade duvidosa, a ideia seria merecedora de um aplauso. Mas quando lembro os viés que me tentaram impor na escola, com as lições distorcidas da história – a cartilha marxista bem arreigada – ou a literatura seleccionada com critério, colocando no altar autores simpáticos à intelectualidade de portas abertas aos ventos de Moscovo, suspeito das intenções destes esmerados engenheiros sociais.
Estes pedagogos têm um poder desmesurado, pois moldam os adultos de amanhã. Dir-me-ão que os adultos de amanhã têm livre arbítrio para recusar a oferenda, e podem navegar para águas diferentes das insidiosamente impostas pelos modelos escolares. Contraponho: poucos terão o rasgo de se desviarem dos padrões estabelecidos. Para quantos não será mais cómodo aceitar os quadros mentais veiculados pelos educadores? E para quantos mais – decerto muitos mais – não há sequer alternativa, por falta de informação ou mera passividade, às verdades insofismáveis contadas na escola?
De regresso à proposta de educação sexual. Encaro-a com o mesmo cepticismo com que olhava para a optativa religião e moral. Se já me inquietam as verdades necessárias adquiridas na escola, mais me preocupo com as ambições de ousados pedagogos ao quererem entrar em registos da intimidade dos alunos. Não lhes basta a formatação do pensamento, na domesticação dos cérebros do amanhã. A novidade está em ensinar o que há de mais relevante na sexualidade.
Contudo, a sexualidade não objectivação. Concedo: há um mínimo que se submete à pura objectividade. Um domínio descritivo, a anatomia e a biologia da reprodução, os cuidados de prevenção para não fazer do sexo uma aventura pelos corredores da morte. A ficar-se por aí, a educação sexual restringe-se a um par de horas. Ora como os excelsos pedagogos estão a congeminar coisa de maior extensão (ou não fosse educação sexual uma disciplina autónoma), entramos na matéria lodosa dos comportamentos sexuais. Aí soam as sinetas da inquietação. A paternidade confere uma dimensão de proximidade ao problema. Preocupa-me o buraco negro de saber que algures no futuro um(a) excitado(a) docente irá ensinar à minha filha os rudimentos da sexualidade. Prefiro que sejam os pais, cá por casa, a fornecerem a informação adequada. Confio mais no pai e na mãe do que em obscuros militantes da engenharia social sentados no deleite da cátedra escolar de educação sexual.
A intrusão na esfera individual das pessoas instala-se desde a mais tenra idade, para que achemos que este sucedâneo de paternidade faz parte da ordem natural das coisas. Qualquer dia teremos pedagogos na peugada de um novo filão – como devem os alunos tratar os pais, por exemplo. O mais elementar é escusar a interferência, declinar a pusilânime condescendência de nos tratarem como seres atrasados. A escola tem o seu lugar recomendável. Não para a educação sexual.
Comecei por escrever este texto com um mote: o burburinho numa escola de Vila Nova de Gaia, onde duas alunas, apaixonadas uma pela outra, tiveram a ousadia de se beijar em público, a que se seguiu uma áspera reprimenda do conselho directivo. Voltarei ao tema amanhã.
2 comentários:
Concordo com o princípio. Mas agora, sendo a realidade outra, isto é, a maioria dos pais demite-se dessa educação sexual (ou porque acham que não têm tempo, paciência ou simplesmente porque a sua educação sexual, baseada na própria vivência, também não foi grande coisa), o que fazer?
A questão é que a sorte que a tua filha vai ter, não é a que tem a maioria das crianças em Portugal. Fica a questão: faz-se alguma coisa (mesmo com o risco de errar) ou deixamos seguir este fantástico lema do "deixa andar que isto lá se há de resolver"?
Ponte Vasco da Gama
Ponte Vasco da Gama:
Quem conta mais na educação de uma criança: os pais - desde que não sejam dolosos relapsos - ou o zeloso Estado que as traz para a escola? Para mim, risco a segunda opção.
À falta de melhor (entenda-se: os pais não se sentirem confortáveis neste papel pedagógico), fala mais alto a experiência de cada um. Porque nestas coisas, a prática é a melhor escola.
Paulo
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