21.11.05

“Senhor da guerra”: os embargos de armas deviam ser proibidos…



O filme “Senhor da guerra” retrata as negociatas de um traficante de armas que fareja os locais onde fervilham sangrentos conflitos, alimentando os teatros de guerra com a mercadoria que vende ilegalmente. A história de um ucraniano (Yuri Orlov), refugiado em Nova Iorque da miséria e da inexistente liberdade da União Soviética. Narra o rasgo para um negócio amoral, mostrando como o protagonista teve que abdicar de padrões éticos para agigantar o seu negócio.

Com a queda do comunismo chegou a oportunidade de ouro para Orlov. Percebeu que a desagregação do império soviético ia expor um colossal arsenal. O caos instalado tornava mais permeáveis a subornos os militares responsáveis pelas armas nos países que estiveram na órbita soviética. Orlov aproveita-se da oportunidade para prosperar com levas de armamento para países de duvidosa reputação, atendendo aos cânones bem pensantes da ordem internacional. Fez-se amigo de sanguinários ditadores africanos, na Libéria e na Serra Leoa. Negociou com ditadores sul-americanos, que pagavam os favores das armas ilegais em carregamentos de cocaína.

Orlov enriqueceu com o sangue derramado pelas armas que viajavam com a sua guia de marcha. Não se apoquentava: para apaziguar a consciência, dizia que alguém teria que fazer o negócio. Elaborava teorias com uma frieza notável, desapossadas de piedade: as armas, um meio de defesa que os detentores usam contra aqueles que os atacam. Mesmo na desproporção de meios, e quando o atacante espezinha indefesas minorias, o traficante de armas mantinha a teoria: não fossem as armas e os sanguinários ditadores seriam apeados do poder. O seu lema: há uma arma por cada doze habitantes do planeta; o grande desafio é saber como podemos armar as outras onze pessoas.

Nem na Libéria, onde um tresloucado líder armava um exército de crianças, nem aí Orlov se comovia com as atrocidades das suas armas. Apenas contava o vil metal, a abastança material suja do sangue vertido pelas balas que perfuravam corpos de inocentes e menos inocentes. O traficante era perseguido por uma zelosa brigada que fiscalizava os embargos de armas aos países proscritos pelas autoridades dos Estados Unidos. Para onde fosse, Orlov tinha à perna um agente especial que tudo fazia para abortar negócios e capturar o traficante. Pelo meio, a sugestiva complacência de uma alta patente do exército dos Estados Unidos. Encontros secretos, chamadas telefónicas em linhas codificadas, apenas uma imagem oblíqua do tronco profusamente medalhado do militar de alta patente que cobria as actividades de Orlov. Finalmente capturado, o traficante seria libertado depois da intervenção deste alto dirigente do exército.

O filme informa os espectadores: baseado em factos reais. Já se sabe que na sétima arte a realidade se mistura com a ficção, não se percebe onde termina uma e começa a outra. O filme é um paraíso para os que tecem inextricáveis teorias da conspiração acerca dos Estados Unidos, essa potência do mal. Não contribuo para o peditório, apesar de ser muito crítico em relação à hipócrita diplomacia norte-americana. E, em vez de engrossar o coro de protestos que aponta o dedo acusador à dissimulada postura dos Estados Unidos (alimentam embargos de armas mas, debaixo da mesa, facilitam o fluxo para os países proscritos), um argumento mais importante: estes embargos são a negação do seu objectivo oficial.

De que serve proibir a venda de armas em zonas onde são cometidas as maiores atrocidades? Apesar do embargo, as armas inundam esses locais. Diria: isso acontece por causa do embargo! Por maior que seja o activismo das brigadas que zelam o respeito do embargo, quem o decreta esquece-se que é nas maiores proibições que se abrem as oportunidades para os mercados negros, prósperos e incontroláveis.

Através do embargo atinge-se o contrário do pretendido. Se as transacções legais de armas com os locais inscritos na lista negra do embargo fossem possíveis, seria mais fácil controlar quem vende a quem. E seria mais fácil exercer a duvidosa moralidade internacional, sempre manchada pelo estigma dos telhados de vidro, da impossibilidade de qualquer país atirar a primeira pedra – não vão os despojos cair em cima de si mesmo.

Estou a defender o comércio de armas com países que as usam de forma indiscriminada, num grotesco atropelo dos direitos do homem? Não é disso que se trata. Já tive a oportunidade de mostrar o meu desprezo por qualquer tipo de arma, e de como me gabo de nunca uma arma de fogo ter passado pelas minhas mãos. O argumento é em defesa da clareza. É imperativo afastar a ambiguidade dos embargos. Porque há países fora da lista negra que não são exemplares no manuseio de armamento. E porque o embargo, destruindo um mercado cristalino, alimenta ainda mais o obscuro tráfico de armas.

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