Anda meio mundo preocupado com a vitória do Hamas nas eleições palestinas. O Hamas nunca renunciou ao terrorismo. O ocidente, fielmente ao lado de Israel, senta o Hamas no banco dos réus pelos hediondos actos de terrorismo que patrocina. Não está em causa legitimar os actos de terrorismo, do Hamas ou de quem quer que seja. Nem muito menos enveredar pelos caminhos da desculpabilização, sob pena de se ofender a memória das suas vítimas inocentes.
Na história do conflito entre israelitas e árabes, sempre a postura enviesada dos advogados ao serviço de ambas as causas: como se as palas impedissem de perscrutar para o lado, para ver que entre os seus há também culpas no cartório. Os americanistas de serviço só erguem o dedo aos movimentos terroristas árabes, esquecendo-se do terrorismo de Estado das autoridades de Israel. O mesmo comportamento da parte das esquerdas militantemente arregimentadas ao lado dos palestinos, no afã de desculpabilizar o enésimo acto de barbárie de kamikazes que dão a vida com a promessa de terem para si setenta virgens.
Este comportamento que olha só para um lado é contagiante. O oportunismo da análise engrossa fileiras. Dos fervorosos partidários de causas – o que não surpreende – aos comentadores que passam para o exterior uma aura de insuspeição, a todos atingeo vírus da interpretação enviesada de acontecimentos. O mais recente episódio, a semana passada, com as eleições na Palestina. Para surpresa de muitos, os radicais do Hamas tiveram uma vitória esmagadora. Logo saíram da toca os habituais defensores de Israel, com o governo dos Estados Unidos a servir de testa-de-ferro, mais os tradicionais acólitos que acham que tudo o que os Estados Unidos fazem está sempre bem feito. Bush Jr. teria que proferir mais uma daquelas declarações que se distinguem pela carência de inteligência: a democracia é virtuosa, as eleições são a suprema manifestação da democracia, mas – inquiria o presidente dos Estados Unidos – o que dizer quando os vencedores são os maus da fita?
Este tipo de análise diz tudo de quem a titula. Valha a verdade que o comportamento não é exclusivo de Bush, ou dos defensores de tudo o que vem de Washington. Atinge o outro lado da barricada, as insuspeitas esquerdas que se gabam de serem líderes do campeonato da tolerância. Foram as esquerdas que gritaram de pulmões cheios, tão ofendidas estavam, quando a extrema-direita ficou em segundo lugar nas eleições austríacas em 2000, formando um governo de coligação com a direita moderada. O mundo à esquerda ficou chocado, incapaz de perceber como tantos eleitores austríacos exibiram semelhante falta de inteligência para permitir que a extrema-direita ascendesse ao poder. Brandiram-se, alarvemente, fantasmas do passado. Esboçaram-se cenários dantescos: era a democracia que estava em perigo, passando-se um atestado de menoridade cívica aos austríacos. Nessa altura, à direita apenas o silêncio, um silêncio comprometedor.
Agora os papéis inverteram-se. O Hamas ganhou as eleições, para desprazer dos sectores conotados com a direita tradicional. Estes sectores vieram para a ribalta, dizendo-se preocupados com o futuro da paz no Médio Oriente (como se tal objectivo possa ser acautelado, independentemente de quem estiver no poder de ambos os lados). Foram eles que, com meias palavras, questionaram o resultado das eleições. À esquerda, ou o silêncio ou palavras que sublinham como os resultados das eleições devem ser respeitados, sempre, para que os eleitores não sejam desautorizados. Pena que diferente tenha sido o seu comportamento há seis anos, depois das eleições na Áustria.
De um lado e do outro, tresanda a intolerância. Os resultados de eleições são enaltecidos quando convêm à facção. De contrário, assinalam-se os perigos, questionam-se os resultados, insulta-se o eleitorado que contribuiu para o escrutínio que traz o desgosto à facção. Como se o eleitorado flutuasse em discernimento. À esquerda e à direita, de forma mais ou menos encapotada, os mesmos trejeitos de intolerância.
Por cá, ainda no doloroso rescaldo das eleições presidenciais, houve comentadores que não pouparam ofensas aos eleitores pela derrota humilhante de Soares. Apoiantes cegos passaram um atestado de menoridade intelectual aos 86% do eleitorado que preferiu colocar a cruz noutros candidatos. Alguns sugeriram que a não escolha de Soares foi uma afronta de um povo que não quis honrar a memória. A falácia do “pai da democracia”, na enésima revisitação. E a ideia de que para certos “democratas” da nossa praça, o povo é estúpido demais para votar – sobretudo quando não escolhe o candidato ou o partido que esses “democratas” sancionam como escolha inevitável. A minha sugestão: porque não cadastrar o povo, vedando o voto aos que votam estupidamente?
É nestas alturas que me pergunto: não estaremos inquinados pelo vírus do totalitarismo que vem do passado? Ainda não nos conseguimos desprender da tutela salazarista, que parece ter moldado os quadros mentais de tanta gente, à direita e à esquerda?
1 comentário:
Cancion de Tuna de Chucho Navarro
Si quieres separar (separar)
nuestro destino
ya nunca me verás (Hamas, Hamas, Hamas)
en tu camino
tú vivirás sin mí
yo moriré sin ti
y es mi destino
mas nunca me verás (Hamas, Hamas, Hamas)
en tu camino
Yo no regresaré (Hamas, Hamas)
a ver qué cosa fue (de ti, de ti)
tú nunca me verás (Hamas, Hamas, Hamas)
nunca Hamas
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